Blog do Sakamoto
Foto: Leonardo Sakamoto
WIKILEAKS E EU: O TIO SAM DOUROU MINHA PíLULA
A maior parte das pessoas que aparece nos telegramas do governo
norte-americano, divulgados pelo WikiLeaks, reclama que o interlocutor
exagerou no registro, que nunca diriam algo tão forte, que não foi
bem assim. Devo ser um dos primeiros a inaugurar a seção “O Tio
Sam dourou minha pílula”. Pô, meu interlocutor pegou muito leve
na transcrição do meu depoimento! Cadê a parte em que eu reclamava
das coisas? Minha mãe, se ler isto, vai dizer que não criou um
filho para ele parecer um banana.
Como pesquisador da área de trabalho escravo contemporâneo, sou
consultado regularmente sobre a situação do problema no país, bem
como sobre os sucessos e fracassos da política de enfrentamento. Vez
ou outra, representantes de governos ou das Nações Unidas, da
sociedade civil, de movimentos sociais e do setor empresarial vêm
buscar uma análise sobre o estado das coisas. Menos pela qualidade
do que posso acrescentar (eu, particularmente, não me ouviria) e mais
pela falta de malucos que tratem dessa área.
O telegrama a que me refiro foi originado de uma entrevista que dei
em 2008, em que analisava o combate ao trabalho escravo no país e
explicava que a situação na pecuária bovina tem sido,
historicamente, pior do que na cana. Contudo, ao mesmo tempo, a cana
tem liderado as estatísticas em número de libertados nos últimos
anos por necessitar de mão-de-obra em grande quantidade. Em uma
única propriedade, centenas podem ser encontrados.
O problema é que, na transcrição, o meu interlocutor deve ter
perdido alguma coisa. Há alguns erros. Eu não diria, por exemplo,
que o problema é pior nas pequenas plantações, haja visto que o
trabalho escravo é apegado a um latifúndio que só vendo. E, sim,
cana tem sido uma das culturas mais problemáticas quanto a trabalho
escravo nos últimos tempos. E, que eu me lembre, o relato não deu
algumas críticas mais contundentes – por exemplo, sobre o controle
do Congresso Nacional por parlamentares da bancada ruralista que não
se esmeram em aprovar leis que ajudariam no combate a essa maçaroca.
Ou sobre a inserção desse tipo de relação de trabalho dentro de
nossa economia. Problema que também está inserido na economia deles
– ou vocês acham que somos só nós que gostamos de explorar
trabalhadores?
O telegrama é mais técnico, sem importância se comparado com
outros que já vazaram, e parte dos achados vão na linha do que já
se sabe ou já se faz por aqui. E antes que eu esqueça, toda força
ao WikiLeaks.
Mas se eu aparecer mais um vez com esses depoimentos leves na boca,
além da minha mãe estranhar, haverá gente na representação
patronal que vai querer me mandar um mimo de agradecimento. Talvez
até um vale-ab
Link:
http://blogdosakamoto.uol.com.br/2011/01/14/wikileaks-e-eu-o-tio-sam-dourou-minha-pilula/
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