Presidente e diretor do Centro de Pesquisa em Globalização (Centre for
Research on Globalization), Michel Chossudovsky conversou com o
ODiário.Info sobre a discussão de uma possível terceira guerra mundial, de
que fala no seu livro “Towards a World War III Scenario: The Dangers of
Nuclear War”.
Por Sara Sanz Pinto*
Crítico da fortificação militar que os
Estados Unidos estão construindo em torno da China, o professor canadiano
da Universidade de Otava defende que a opinião pública é fundamental para
evitar uma guerra nuclear.
ODiário.Info: Diz no
seu livro que a guerra com o Irã já começou e que os Estados Unidos estão
apenas à espera de um rosto humano para lhe dar. Acredita que os objetivos
políticos e geoestratégicos de Washington podem levar-nos a uma guerra
nuclear com consequências para toda a humanidade? Michel
Chossudovsky: Não quero fazer previsões e ir além do que aconteceu.
Tudo o que posso dizer, e tenho vindo a dizê-lo de forma repetida, é que a
preparação para a guerra está a um nível muito elevado. Se será levada a
cabo ou não é outro patamar, e ainda não o podemos afirmar. Esperemos que
não. Mas temos de considerar seriamente o fato de que este destacamento de
tropas é o maior da história mundial. Estamos assistindo o envio de forças
navais, homens, sistemas de armamento de ponta, controlados através do
comando estratégico norte-americano em Omaha, Nebrasca, e que envolve uma
coordenação entre EUA, Otan e forças israelitas, além de outros aliados no
golfo Pérsico (Arábia Saudita e estados do Golfo). Estas forças estão a
postos. Isto não significa necessariamente que vamos entrar num cenário de
terceira guerra mundial, mas os planos militares no Pentágono, nas bases
da Otan, em Bruxelas e em Israel, estão a ser feitos. E temos de levá-los
muito a sério. Tudo pode acontecer, estamos numa encruzilhada muito
perigosa e infelizmente a opinião pública está mal informada. Dão espaço a
Hollywood, aos crimes e a todo o tipo de acontecimentos banais, mas, no
que toca a este destacamento militar que poderá levar-nos a uma terceira
guerra mundial, ninguém diz nada. Isso é um dos problemas, porque a
opinião pública é muito importante para evitar esta guerra. E isso não
está a acontecer, as pessoas não estão se organizando para se oporem à
guerra. Isto não é uma questão política, é um problema muito maior, e
tenho de dizer que os meios de comunicação ocidentais estão envolvidos em
atos de camuflagem absolutamente criminosos. Só o fato de alinharem com a
agenda militar, como estão a fazer na Síria, onde sabemos que os rebeldes
são apoiados pela Otan, na Arábia Saudita e em Israel, e como fizeram na
Líbia, é chocante do meu ponto de vista, porque as mentiras que se criam
servem para justificar uma intervenção humanitária. Em vez de uma guerra
nuclear, não podemos assistir a um cenário semelhante à Guerra Fria, com
os EUA, a União Europeia e Israel de um lado e a China, a Rússia e o Irã
do outro? Esse cenário já é visível. A Otan e os EUA militarizaram a
sua fronteira com a Rússia e a Europa de Leste, com os chamados escudos de
defesa antimíssil – todos esses mísseis estão apontados a cidades russas.
Obama sublinhou em declarações recentes que a China é uma ameaça no
Pacífico – uma ameaça a quê? A China é um país que nunca saiu das suas
fronteiras em 2 mil anos. E eu sei, porque investigo este tema há muito
tempo, que está sendo construída toda uma fortaleza militar em volta da
China, no mar, na península da Coreia, e o país está cercado, pelo menos
na sua fronteira a sul. Por isso a China não é a ameaça. Os EUA são a
ameaça à segurança da China. E estamos numa situação de Guerra Fria. Devo
mencionar, porque é importante para a UE, que, no limite, os EUA, no que
toca à sua postura financeira, bancária, militar e petrolífera, também
estão a ameaçar a UE. Estão por trás da destabilização do sistema bancário
europeu.
ODiário.Info: E a colocação de mais
tropas em torno da China vai trazer mais tensão à
região. MC: Quanto a isso não tenho dúvidas, porque os EUA
estão aumentando a sua presença militar no Pacífico, no oceano Índico e
estão tentando ter o apoio das Filipinas e de outros países no Sudeste
Asiático, como o Japão, a Coreia, Singapura, a Malásia (que durante muitos
anos esteve reticente a juntar-se a esta aliança). Portanto, Washington
está formando uma extensão da Otan na região da Ásia-Pacífico, direcionada
contra a China. Não há dúvidas quanto a isto. E não se vence uma guerra
contra a China. É um país com uma população de 1,4 bilhões de pessoas, com
um número significativo de forças, tanto convencionais como estratégicas.
Por isso, com este confronto entre a Otan e os EUA, de um lado, e a China,
do outro, estamos num cenário de terceira guerra mundial. E toda a gente
vai perder esta guerra. Qualquer pessoa com um entendimento mínimo de
planejamento militar sabe que este tipo de confronto entre superpotências
– incluindo o Irã, que é uma potência regional no Médio Oriente, com uma
população de 80 milhões de pessoas – poderá levar-nos a uma guerra
nuclear. E digo isto porque os EUA e os seus aliados implementaram as
chamadas armas nucleares tácticas – mudaram o nome das bombas e dizem que
são inofensivas para os civis, o que é uma grande
mentira.
ODiário.Info: Mentira
porquê? MC: Está escrito em todos os documentos que a B61-11
[arma nuclear convencional] não faz mal às pessoas e planeiam usá-la.
Tenho examinado estes planos de guerra nos últimos oito anos, e posso
garantir que estão prontos a ser usados e podem ser acionados sem uma
ordem do presidente dos EUA. Olhe para o que eles designam “Nuclear
Posture Review” de 2001, um relatório fulcral que integra as armas
nucleares no arsenal convencional, sublinhando a distinção entre os
diferentes tipos de armas e apresentando a noção daquilo que chamam “caixa
de ferramentas”. E a caixa de ferramentas é uma coleção de armas variadas,
que o comandante na região ou no terreno pode escolher, onde estão estas
B61-11, que são consideradas armas convencionais. Se quiser posso fazer
uma analogia, é a mesma coisa que dizer que fumar é bom para a saúde. As
armas nucleares não são boas para a saúde, mudaram o rótulo e
chamaram–lhes bombas humanitárias, mas têm uma capacidade destruidora seis
vezes superior à de Hiroxima.
ODiário.Info: Mas a
maior parte das pessoas não parece consciente da gravidade do
cenário… MC: A ironia é que a terceira guerra mundial pode
começar e ninguém estará sequer a par, porque não vai estar nas primeiras
páginas. Na verdade, a guerra já começou no Irã. Têm forças especiais no
terreno, instigaram todo este tipo de mecanismos para desestabilizar a
economia iraniana através do congelamento de bens. Há uma guerra da moeda
em curso – isto faz parte da agenda militar. Desestabilizando-se a moeda
de um país desestabiliza-se a sua economia, bloqueiam-se as exportações de
petróleo, e isto antecede a implementação de uma agenda militar. Se eles
puderem evitar uma aventura militar contra o Irã e ocupar o país através
de outros meios, fá-lo-ão. É isso que estão a tentar neste momento. Querem
a mudança de regime, o colapso das petrolíferas, apropriar-se dos recursos
do país, e têm capacidade para fazer isto tudo sem uma intervenção
militar, embora alguma possa vir a ser necessária. Mas o Irã é considerado
uma das maiores potências militares da região e basta olharmos para as
análises da sua força aérea, a sua capacidade em mísseis, as suas forças
convencionais que ultrapassam um milhão de homens (entre ativo e reserva),
o que permite que de um dia para o outro consiga mobilizar cerca de
metade, ou até mais. Tendo em conta estes números, os EUA e os seus
aliados não conseguem vencer uma guerra convencional contra o Irã, daí a
razão pela qual estão a tentar fazer a guerra com outros meios, e um
desses meios é o pretexto das armas nucleares.
ODiário.Info:
Acha que o Ocidente pode lançar um ataque preventivo contra o
Irão mesmo sem provas? MC: Claro que sim! Olhe para a
história dos pretextos para lançar guerras. Olhe para trás, para todas as
guerras que os EUA começaram, a partir do século XIX. O que fazem
sistematicamente é criar aquilo que chamamos incidente provocado para
começar a guerra. Um incidente que lhes permite justificar o início de um
conflito por motivos humanitários. Isto é muito óbvio. Em Pearl Harbor,
por exemplo, sabe-se que foi uma provocação, porque os EUA sabiam que iam
ser atacados e deixaram que tal acontecesse. O mesmo se passou com o
incidente no golfo de Tonkin, que levou à guerra do Vietnã. E agora são
vários os pretextos que emergem contra o Irã: as alegadas armas nucleares
são um, outro é o alegado papel nos atentados 11 de Setembro, pois desde o
primeiro dia que acusam o país de apoiar os ataques, a afirmação mais
absurda que podem fazer, pois não existem quaisquer provas. Mas os media
agarram nestas coisas e dizem “sim, claro”.
ODiário.Info:
Pode explicar às pessoas de uma forma simples a relação entre guerra
contra o terrorismo e batalha pelo petróleo? MC: A guerra
contra o terrorismo é uma farsa, é uma forma de demonizar os muçulmanos e
é também a criação, através de operações em segredo dos serviços secretos,
de brigadas islâmicas, controladas pelos EUA. Sabemos disso! Estas forças,
ligadas à Al-Qaeda, são uma criação da CIA de 1979. Por isso a guerra
contra o terrorismo é apenas um pretexto e uma justificação para lançar
uma guerra de conquista. É uma tentativa de convencer as pessoas de que os
muçulmanos são uma ameaça e de que estão a protegê-las e para isso têm de
invadir países perigosos, como o Irã, o Iraque, a Síria e a Coreia do
Norte, que perdeu 25% da sua população durante a Guerra da Coreia, mas, no
entanto, continua a ser tida como uma ameaça para Washington. É absurdo!
Os americanos são um pouco como a inquisição espanhola. Aliás, piores! O
que mais me choca é que os EUA conseguem virar a realidade ao contrário,
sabendo que são mentiras e mesmo assim acreditando nelas. A guerra contra
o terrorismo é uma mentira enorme, mas todas as pessoas acreditam e o
mesmo se passava com a inquisição espanhola – ninguém a questionava. As
pessoas conformam-se com consensos e quem assume a posição de que isto não
passa de um conjunto de mentiras é considerado alguém em quem não se pode
confiar e provavelmente perderá o emprego. Por isso esta guerra é contra a
verdade, muito mais séria que a agenda militar. Contra a consciência das
pessoas – parece que ninguém está autorizado a pensar. E depois vêm
dizer-nos “Ah, mas as armas nucleares são seguras para os civis”. E as
pessoas acreditam.
ODiário.Info: Será Israel capaz
de atacar Irã sem o apoio dos EUA? MC: Não. Eles podem
enviar as suas forças, por exemplo para o Líbano, mas o seu sistema está
integrado no dos EUA e, como o Irã tem mísseis, têm de estar coordenados
com Washington. É uma impossibilidade em termos militares. Em 2008, o
sistema de defesa aérea de Israel foi integrado no dos EUA. Estamos a
falar de estruturas de comando integradas. Quer dizer, Israel pode lançar
uma pequena guerra contra o Hezbollah ou até contra a Síria, mas contra o
Irã terá de ser com a intervenção do Pentágono. Embora tendo uma fatia
significativa de militares, Israel tem uma população de 7 milhões de
pessoas e não tem capacidade para lançar uma grande ofensiva contra o
Irã.
*Por Sara Sanz Pinto é jornalista.
Fonte:
ODiário.info
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