Jornal do Terra
Assassinato de Estado esvazia ideia de justiça internacional
Marcelo Semer
De São Paulo
De São Paulo
Manifestantes agradecem ao presidente americano pelo assassinato do terrorista Osama bin Laden no vizinho e rival Paquistão (foto: AP)
Osama Bin Laden era um bárbaro terrorista.
Mesmo depois de sua morte, é impossível ter compaixão ou piedade por quem, conscientemente, assumiu a responsabilidade pelo homicídio em massa de milhares de inocentes civis.
Mas nada disso oculta a realidade de domingo: seu assassinato é um ato de vingança, não de justiça.
Em 1945, com a rendição de alemães e japoneses, os aliados discutiam o que fazer com prisioneiros nazistas. Muitos pretendiam simplesmente liquidá-los, falando-se de fuzilamentos em massa. Os norte-americanos impuseram a força de sua razão, para realizar julgamentos históricos em Nuremberg.
Pode-se dizer que Nuremberg foi um tribunal de exceção, criado após os crimes terem sido cometidos. Que se constituiu em uma justiça dos vitoriosos, não dos vencidos. Ou que crimes foram delimitados após os fatos, rompendo uma histórica barreira doutrinária.
Ainda assim, realizou-se a justiça possível em um momento complexo, inusitado e de proporções até então desconhecidas. Com isso, fixaram-se bases para a construção da jurisdição internacional que se seguiria: Tribunal ad-hoc para a ex-Iugoslávia, para crimes em Ruanda, e, enfim, o Tribunal Penal Internacional.
E não estamos falando de crimes simples ou corriqueiros. A máquina de matar do Terceiro Reich assassinou nada menos do que seis milhões de judeus, além de homossexuais, comunistas e ciganos. A limpeza étnica de Milosevic aniquilou cerca de 200 mil bósnios e quase 700 mil tutsis foram vítimas na África.
Mas os Estados Unidos já não têm mais a pretensão de impor julgamentos a grandes criminosos. Nem sequer ratificaram o Estatuto de Roma, com receio de serem eles mesmos inseridos no banco dos réus.
Hoje, seu presidente vem a público se jactar de ter inserido o assassinato de um terrorista como uma das prioridades de sua gestão, e vangloriar-se de tê-lo conseguido.
Nada que seja, em si, uma novidade.
Desde setembro de 2001, a "guerra ao terror" anunciada por George Bush vem justificando todos os excessos norte-americanos.
Justificou a invasão ao Iraque, cujo pretexto de encontrar armas de destruição em massa se mostrou inverídico. Justificou a invasão ao Afeganistão, justamente para a procura de Bin Laden, e a ocupação do país por quase uma década. Justificou barbaridades cometidas com presos no Oriente Médio, como as fotos de Abu Ghraib expuseram ao mundo.
E vem ainda justificando centenas de presos jogados em Guantanamo, há nove anos sem qualquer acusação. Recente vazamento do Wikileaks apontou que a própria inteligência americana contabiliza mais de uma centena e meia de inocentes, vítimas colaterais do terrorismo de Estado.
Barack Obama galvanizou as esperanças de descompressão da era Bush. Na campanha, mostrou o quanto as mudanças eram viáveis e fez o mundo, mais ainda do que os americanos que lhe deram vitória estreita, acreditarem que outro governo era possível.
Pela expectativa criada, recebeu inclusive um inédito Prêmio Nobel da Paz por antecipação, para que se sentisse devedor dos valores que suas mensagens difundiam.
Mas, eleito, manteve a ocupação do Afeganistão, manteve seus homens no Iraque, manteve os presos em Guantanamo. Declarou uma guerra, sem ouvir o Congresso. E seu maior trunfo na eleição do ano que vem será nada menos do que a cabeça de Osama Bin Laden jogada ao mar, como resultado da guerra ao terror que havia reeleito Bush.
Era isso que o "Yes, we can" queria dizer?
Americanos eufóricos saíram às ruas na madrugada de segunda para comemorar a morte anunciada do terrorista, como faríamos se tivéssemos ganho uma Copa do Mundo.
Não era apenas alívio - era pura satisfação. Mas esse mórbido sentimento de regozijo dificilmente tornará os Estados Unidos um país mais seguro ou mais feliz para se viver.
A comemoração pode purgar o sofrimento de um império ofendido por um grupo de lunáticos terroristas, mas a questão é saber: o que irá ao mar junto com o corpo de Osama?
A delicada e custosa construção da justiça internacional, desnecessária diante do assassinato de Estado.
A vantagem moral que a civilização impõe à barbárie, prejudicada na absorção pelo poder do modus operandi do terror.
A evolução de séculos que enquadrou a vingança dentro dos conceitos e dos limites do direito, estabelecendo as noções de pena e processo.
Difícil crer que a morte de Bin Laden resolva os problemas do terror. Os próprios norte-americanos alertam para possíveis e iminentes represálias.
Obama está se transformando rapidamente em Bush e isso provavelmente lhe renderá uma reeleição segura.
Pode estar realizando o desejo de milhões de norte-americanos, à moda de seu antecessor: dar uma lição no terror e mostrar a todos que não há limites ao poder dos EUA.
Mas não vai conseguir que o mundo acredite que faz guerras em nome da paz e que assassina em nome da justiça.
Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.
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