Carta O
Berro......................... .............................. ..repassem
(Parte
I)
"Torturei uns trinta"
O ex-tenente gostava "muito" de dar choque
nos dedos e aprendeu a torturar "vendo"
nos dedos e aprendeu a torturar "vendo"
Alexandre Oltramari
O ex-tenente Marcelo Paixão de Araújo: herdeiro de uma das grandes fortunas mineiras | |
Foto: Moreira Mariz |
Marcelo Paixão de Araújo debruçou-se sobre uma mesa de vidro, na
sala de seu amplo apartamento, em Belo Horizonte, pediu à empregada para trazer
biscoitos, água mineral e café — e prestou a VEJA um histórico depoimento de
quase duas horas. Com ele, tornou-se o primeiro agente da repressão a admitir em
público que torturava presos políticos durante a ditadura militar. Hoje,
passados trinta anos, sua vida é tranqüila. Herdeiro dos fundadores do sólido
Banco Mercantil, Marcelo Paixão de Araújo formou-se em direito e trabalha como
corretor de seguros, em Betim, a 30 quilômetros de Belo Horizonte, para onde vai
dirigindo seu Toyota do ano. Casado, duas filhas, acaba de mudar-se para um
apartamento de 300 metros quadrados, na região da Savassi, um dos bairros mais
chiques da capital mineira. Apesar dos 15 quilos acima do peso ideal, ele maneja
seu barco no lago de Furnas, onde tem uma casa para os fins de semana. De manhã,
lê por uma hora, antes de sair para o trabalho. Em casa, tem uma biblioteca de
2.500 volumes, onde se podem encontrar desde clássicos da literatura brasileira
até manuais de tortura. Ele gosta de livros de política e de História e, nos
últimos tempos, tem-se dedicado à leitura de biografias. Leu A Lanterna na
Popa, do ex-ministro Roberto Campos, e Chatô, o Rei do Brasil, do
jornalista Fernando Morais.
"A tortura causa um desgaste muito grande. Nunca me neguei a torturar alguém, mas só fazia quando havia necessidade. Mas a brincadeirinha não tem a menor graça, viu?" (risos) |
Em 1968, Marcelo Paixão de Araújo servia como tenente no 12º
Regimento de Infantaria do Exército em Belo Horizonte, um dos três centros mais
conhecidos de tortura da capital mineira durante a ditadura militar. Ali,
permaneceu até 1971. "Fiquei porque achava que a única forma de consertar o país
era por meio das Forças Armadas", diz. Ao deixar a caserna, foi trabalhar na
empresa do pai, a Minas Brasil, braço de seguros do Banco Mercantil, onde
ocupava o cargo de superintendente técnico. Raríssimas vezes usava terno e
gravata. Preferia trabalhar de calça jeans. "Ele era diferente do pai e dos
irmãos. Era um moleque, uma pessoa muito alegre, que vivia contando piada", diz
uma ex-funcionária da empresa. "Descobri que eu não havia nascido para ser
executivo", conta Marcelo. Ali, trabalhou seis anos, mas teve tantos problemas
que saiu da empresa para o divã do analista. Fez sete anos de análise. Ele
garante que não recorreu ao divã em função da passagem pelo porão e diz que vive
em paz com seu passado. Na entrevista a VEJA, o ex-tenente alternou estados de
humor, indo da descontração à rispidez em segundos. Aqui, ele conta como e por
que torturou três dezenas de presos políticos, de 1968 a 1971:
O engenheiro Leovi Carísio, hoje com 52 anos, foi uma das vítimas de tortura do ex-tenente. Era militante do grupo Colina/VAR-Palmares, ficou mais de três anos preso e passou pelo pau-de-arara, "esticamento" e tomou choque. Ele explica: "Marcelo me obrigava a deitar de costas numa mesa. Aí, ele amarrava meus punhos e tornozelos aos pés da mesa e puxava de um lado ao outro até envergar meu tronco. Era horrível" | |
Foto: Moreira Mariz |
Veja — Durante a ditadura, em depoimentos
na Justiça Militar, 22 presos políticos acusam o senhor de tortura. É verdade?
Araújo — Quem lhe disse isso?
Veja — Vi nos processos na Justiça
Militar. E, pela quantidade de presos que o citaram, o senhor é o agente da
repressão que mais praticou torturas. É verdade?
Araújo — Sim. Todos os depoimentos de presos que
me acusam de tortura são verdadeiros.
Veja — O senhor fez isso cumprindo ordens
ou achava que deveria fazê-lo?
Araújo — Eu poderia alegar questões de
consciência e não participar. Fiz porque achava que era necessário. É evidente
que eu cumpria ordens. Mas aceitei as ordens. Não quero passar a idéia de que
era um bitolado. Recebi ordens, diretrizes, mas eu estava pronto para aceitá-las
e cumpri-las. Não pense que eu fui forçado ou envolvido. Nada disso. Se
deixássemos VPR, Polop (organizações terroristas) ou o que fosse tomar o
poder ou entregá-lo a alguém, quem se aproveitaria disso seriam os comunistas.
Não queríamos que o Brasil virasse o Chile de Salvador Allende. Nessa época, eu
tinha 21 anos, mas não era nenhum menino ingênuo (risos). O pau comia
mesmo. Quem falar que não havia tortura é um idiota.
Ex-militante do PCB, três anos de cadeia, o hoje professor de História Ápio Costa Rosa, 57 anos, carrega marcas físicas da tortura. "Marcelo apagava cigarro no meu corpo, mas a pior coisa que ele fez foi me deitar no chão, colocar um cabo de vassoura no meu pescoço e subir em cima. Aí, quando eu ia respirar, ele derramava óleo no meu rosto. Estou pagando por isso tudo até hoje", diz |
Veja — Como o senhor aprendeu a torturar?
Araújo — Vendo.
Veja — O que o senhor fazia?
Araújo — A primeira coisa era jogar o sujeito no
meio de uma sala, tirar a roupa dele e começar a gritar para ele entregar o
ponto (lugar marcado para encontros), os militantes do grupo. Era o
primeiro estágio. Se ele resistisse, tinha um segundo estágio, que era, vamos
dizer assim, mais porrada. Um dava tapa na cara. Outro, soco na boca do
estômago. Um terceiro, soco no rim. Tudo para ver se ele falava. Se não falava,
tinha dois caminhos. Dependia muito de quem aplicava a tortura. Eu gostava muito
de aplicar a palmatória. É muito doloroso, mas faz o sujeito falar. Eu era muito
bom na palmatória.
Veja — Como funciona a palmatória?
Araújo — Você manda o sujeito abrir a mão.
O pior é que, de tão desmoralizado, ele abre. Aí se aplicam dez, quinze bolos na
mão dele com força. A mão fica roxa. Ele fala. A etapa seguinte era o famoso
telefone das Forças Armadas. Tinha gente que dizia que no telefone vinha
inscrito US Army (indicando que era produto das Forças Armadas
americanas). Balela. Era 100% brasileiro. O método foi muito usado nos
Estados Unidos e na Inglaterra, mas o nosso equipamento era brasileiro.
Veja — E o que é o telefone?
Araújo — É uma corrente de baixa amperagem e alta
voltagem.
Veja — De quanto?
Araújo — Posso pegar o manual para informar com
certeza. Mas não tem perigo de fazer mal. Eu gostava muito de ligar nas duas
pontas dos dedos. Pode ligar numa mão e na orelha, mas sempre do mesmo lado do
corpo. O sujeito fica arrasado. O que não se pode fazer é deixar a corrente
passar pelo coração. Aí mata.
Veja — Qual era o estágio seguinte quando
o preso não falava?
Araújo — O último estágio em que cheguei foi o
pau-de-arara com choque. Isso era para o queixo-duro, o cara que não abria nas
etapas anteriores. Mas pau-de-arara é um negócio meio complicado. No Rio e em
São Paulo gostavam mais de usar o pau-de-arara do que em Minas Gerais. Mas a
gente usava, sim. O pau-de-arara não é vantagem. Primeiro, porque deixa marca.
Depois, porque é trabalhoso. Tem de montar a estrutura. Em terceiro, é
necessário tomar conta do indivíduo porque ele pode passar mal. Também tinha o
afogamento. Você mete o preso dentro da água e tira. Quando ele vai respirar,
coloca dentro de novo, e vai por aí afora. É como um caldo, como se faz na
piscina. Era eficiente. Mas eu não gostava. Achava que o risco era muito alto.
Afogamento não era a minha praia (risos). A geladeira, uma câmara fria em
que se coloca o preso, não funcionava em Belo Horizonte. Era muito caro. O que
tinha era o trivial caseiro. O menu mineiro.
Aos 53 anos, o engenheiro mecânico José Antônio Gonçalves Duarte, ex-militante do Partido Operário Comunista, POC, lembra com clareza seu suplício: "Esse pulha do Marcelo me torturou durante 98 dias. Era choque nos dedos, ouvidos e órgãos genitais, e afogamento. Há seis anos, eu o vi em São Paulo. Pensei: 'Como é fácil matar esse cara'. Minha mulher me puxou pelo braço e fomos embora" | |
Fotos: Egberto Nogueira |
Veja — O que mais tinha no menu mineiro?
Araújo — A dança da lata eu praticava muito.
Veja — Como era?
Araújo — Eu pegava duas latinhas de ervilha e
abria. Depois, colocava o cara de pé, em cima.
Veja — Sangrava?
Araújo — Não. Ele falava antes disso
(gargalhadas). Mas quem era mais leve agüentava mais tempo.
Veja — E quem não tinha o que dizer?
Araújo — Ia para a lata igual. Mas é muito fácil
identificar quem tinha e quem não tinha o que falar.
Veja — Como?
Araújo — Militante é diferente. Jornalista é
diferente de militar, que é diferente de empresário, que é diferente de
militante. Ele se deixa trair por uma série de coisas. O linguajar, para
começar, é diferente. Então, inocente só era torturado quando o agente era muito
cru, sem conhecimento algum da práxis marxista, ou quando era um sádico. É muito
fácil identificar uma pessoa que não é de esquerda. Vou dar um exemplo. Há algum
tempo fui comprar dólares no Banespa, no câmbio turismo. Como até hoje tenho
minha carteira militar, apresentei-a no lugar da identidade. O atendente viu a
carteira, olhou para mim e perguntou:
— O senhor serviu no colégio militar?
— Tive uma época lá. Por quê? Você foi aluno lá?
— Não.
— Você foi soldado?
— Não.
— Escuta, eu te prendi?
— Não foi bem assim. Fui preso e o senhor foi o único que
acreditou em mim. Apanhei com palmatória antes de o senhor chegar e me liberar.
— Sorte, hein? Já pensou se fosse o contrário? (risos).
Veja — O senhor já reencontrou alguma
pessoa que torturou?
Araújo — Sim. Eventualmente, eu encontro
ex-presos meus, inclusive os que apanharam. E o relacionamento não é muito ruim,
não. Não é aquele negócio de dar beijinhos e abraços. Mas é um relacionamento de
respeito. Há pouco tempo, aqui em Belo Horizonte, encontrei o Lamartine
Sacramento Filho, que é professor em uma faculdade local. Segurei ele no ombro e
disse: 'Você não me conhece, não?' Ele levou um susto. Aí eu disse: 'Você tá
bom?' Ele disse que sim e não quis mais conversa. Mas também não passa batido,
não (risos). Não deixo passar batido (sério).
Veja — Por quê?
Araújo — É o meu esquema. Não deixo passar
batido. Não vai passar batido. Não passa batido. Vou lá, coloco a mão no ombro
dele e digo: Não me esqueci de você, não. Você lembra de mim? Estamos aí. A vida
continua.
Veja — Quantas pessoas o senhor já
torturou?
Araújo — Não tenho idéia. Não sou igual a matador
que faz talho na coronha do revólver para cada um que mata. Mas você quer um
número aproximado?
Veja — Sim.
Araújo — Uns trinta.
Veja — O senhor matou alguém em sessões
de tortura?
Araújo — Não. Já atirei, mas não matei.
Veja — Mas morreu gente onde o senhor
servia.
Araújo — Pouca gente. O João Lucas Alves, que era
um ex-sargento da FAB, foi um deles. Ele morreu na tortura.
Veja — O senhor participou?
Araújo — Não. Isso foi alguns dias antes de eu
ser convocado. Depois que eu saí, se morreu alguém eu não sei.
Veja — O que é besteira e o que é verdade
no que já se escreveu sobre tortura no Brasil?
Araújo — Há algumas pequenas inverdades. Mas a
maioria dos fatos é correta. Há pouca besteira e muita verdade. As pessoas que
participaram desse período até hoje não falaram abertamente. As altas
autoridades do país foram as primeiras a tirar o seu da reta. Morri de rir ao
ler o livro sobre o Geisel (refere-se ao livro que reúne as memórias do
ex-presidente Ernesto Geisel, publicado no ano passado pela Fundação Getúlio
Vargas). Segundo o depoimento de Geisel, ele não sabia de nada, mandava
apurar tudo, era um inocente. É uma gracinha isso tudo. Todos os agentes do
governo que escreveram sobre a época do regime militar foram muito comedidos.
Farisaicos, até. Não sabiam de nada, eram santos, achavam a tortura um absurdo.
Quem assinou o AI-5? Não fui eu. Ao suspender garantias constitucionais,
permitiu-se tudo o que aconteceu nos porões. É claro que havia diversas pessoas
envolvidas nisso. Mas eu não vou citar o nome de ninguém. Falo apenas de mim.
José Adão Pinto, que pertencia à Corrente Revolucionária, um braço mineiro da ALN, hoje é dono de uma livraria em São Paulo, tem 51 anos, casado, sem filhos: ele ficou estéril devido às intermináveis sessões de choque nos órgãos genitais e sofre de hemorróidas, pois lhe introduziam um cabo de vassoura no ânus. "Todo mundo me torturava, e não apenas o Marcelo, pois eu era o único negro" |
Veja — Por que o senhor deixou o
Exército?
Araújo — Estava numa encruzilhada. Ou eu ia para
a academia ou tomava outro rumo na vida. Preferi terminar o meu curso de
direito.
Veja — A tortura não é uma coisa
desumana?
Araújo — (Silêncio)
Veja — Quem tortura age como um monstro?
Araújo — Monstro? (em tom indignado). Não.
As pessoas que transitam em determinado meio tendem a se relacionar com seus
pares. Então, militar andava com militar, policial andava com policial. Essas
práticas eram normais entre nós. Quem eu achava que era monstro eram os sádicos.
Eu mesmo afastei dois sargentos. Não queria sádicos trabalhando comigo.
Veja — O senhor tem medo de alguma
vingança?
Araújo — Não. Andei armado de 1973 até 1980.
Tinha um Smith & Wesson, calibre 38, de cinco tiros. Hoje não uso mais arma.
Minha preocupação era a violência. Achava que tinha obrigação de reagir à
violência. Aí descobri que ia armar bandido. Se for para andar armado, vou
atirar pelo menos duas vezes por semana, não vou andar no volante, enfim, há uma
série de precauções que precisam ser tomadas.
Veja — O senhor não tem medo de que
aconteça algo para suas filhas?
Araújo — Uma das minhas meninas estuda direito na
PUC. Há um ano, um débil mental falou para toda a sala que o pai dela tinha sido
do Doi-Codi, que torturava gente, esse tipo de coisa.
Veja — Ela já sabia do seu passado?
Araújo — Sim. Quando uma tinha 13 anos e a outra
14, contei tudo. Foi na época em que saiu o livro Brasil: Nunca Mais. O
meu nome está lá, na segunda página, para todo mundo ver (risos). É
engraçado. Todo mundo tem o livro, mas pouquíssima gente leu.
Veja — Foi difícil essa conversa?
Araújo — Não foi muito difícil, não. Sou um bom
pai. Minhas filhas foram bem criadas. Conhecem o pai que têm. Eu nunca escondi
as coisas. Nunca disse a elas que fui um santinho. Disse a elas que não
pensassem que eu não bati em alguém. Bati, sim. Elas ficaram um pouco chocadas e
disseram: 'Pai, já sabemos, mas agora pára'. Não queriam detalhes. Eu segui a
minha vida. Não adianta esconder esse tipo de coisa. A verdade uma hora vem à
tona.
Veja — O senhor sofreu algum tipo de
crise de consciência em função da tortura?
Araújo — Isso sempre deixa dramas na gente. É uma
coisa pesada. Não é bom tratar um semelhante dessa forma. Você não quer
aproveitar e comer um biscoitinho? (Ele come um biscoito.)
Depois de deixar o Exército, tive uma grande crise de depressão. Fiz
análise durante sete anos. Mas não foi por isso. Tinha problemas existenciais
que não podem ser relacionados com a minha atividade no porão. Tinha problemas
na empresa. Queria fazer coisas e o pessoal não queria. Foi problema
profissional. Tinha um salário muito bom e ele piorou demais. E dinheiro é uma
desgraça. É bom quando não faz falta.
Veja — O senhor se arrepende de ter
torturado?
Araújo — Não me arrependo. Mas se você me
perguntar se eu faria de novo, é outra conversa. É como você me perguntar se eu
gostaria de voltar a ter 21 anos hoje. Com a experiência e o dinheiro que tenho
atualmente, quero (risos). Mas não me arrependo de nada do que fiz.
Veja — O senhor faria tudo outra vez?
Araújo — Se achasse que não havia outro caminho
para livrar o país do comunismo, sim. Mas, em princípio, não. Porque a tortura
ou, eufemisticamente, o interrogatório por meios violentos, que não precisa
necessariamente ser a porrada, causa um desgaste muito grande. Nunca me neguei a
torturar alguém, porém só fazia quando havia necessidade. Mas a brincadeirinha
não tem a menor graça, viu (risos).
Veja — Por que o senhor fazia isso,
então?
Araújo — O índice de aproveitamento é de mais de
90%. A primeira vez que vi um interrogatório, como assistente, fiquei chocado. E
olha que não tinha agressão. Foi só interrogatório policial duro.
Veja — O que o deixou chocado?
Araújo — A forma como o interrogado desmontou sem
apanhar. Não adianta fazer interrogatório sem saber quem é o sujeito, de onde
veio e o que faz. Era bobagem pegar um sujeito que foi flagrado com um folheto
que se imaginava ser da ala vermelha do PCBR ou do PC do B. Isso não levava a
lugar algum. Sabe o que funcionava demais? Um tapa com força na mesa. O cara
levava um susto. E falava. Quando vi esse interrogatório, fiquei com pena do
sujeito. Eram cinco pessoas em volta dele, gritando, ameaçando, chamando-o de
mentiroso. Achava que o cara era inocente. Perdi a pena quando ele abriu o bico.
Aí eu disse: "Ah, seu sem-vergonha, quer dizer que isso funciona". Com o tempo,
vi outros interrogatórios mais duros. Em seguida, passei a atuar como agente.
Veja — Por que o senhor participou disso
tudo?
Araújo — Eu achava que havia a necessidade de
destruir as organizações de esquerda do país. Era uma convicção íntima. Nunca
gostei do marxismo. Sempre fui visceralmente antimarxista. Isso é uma questão de
formação. Meu pai sempre foi antimarxista. A coisa complicou quando descobri que
o método (a tortura) era rápido. Bastava levar para o porão e pronto. Mas
raríssimas vezes deixei de começar um interrogatório conversando com o
indivíduo. Não vou dizer que no calor da prisão o cara não tenha ido direto para
o porão. Já aconteceu, sim. Mas foram poucas vezes. Por que sabem o meu nome
completo? Porque eu nunca escondi o meu nome. Tinha convicção quanto ao que
estava fazendo. Eu não tinha codinome, como quase todo mundo. Portanto, não sou
o maior torturador do país, mas sim um dos poucos que agiram de cara limpa.
Veja — Hoje, quase três décadas depois, o
senhor não faz nenhuma ressalva ao passado?
Araújo — É preciso admitir que os resultados
foram pífios. Atacamos muito a subversão e pouco a corrupção. A única coisa que
o Geisel falou em seu livro que eu lhe dou razão é que não se pode fazer um
movimento apenas contra. Tem de ser a favor de algo. Faltava isso no movimento.
Houve outros equívocos. Para acabar com as lideranças de esquerda, acabaram com
as de direita também. Cercearam o movimento estudantil, a política partidária.
Foi uma pena. A gente podia ter aproveitado para fazer uma grande remodelação do
país. Recentemente, lendo as memórias do Oswaldo Aranha, vi que ele diz o mesmo
da Revolução de 1930. Tinha-se de aproveitar aquele período discricionário
rapidamente, para impor com agilidade as reformas necessárias. Eu concordo
inteiramente com ele.
Veja — Por que o senhor só resolveu dar
esse depoimento agora?
Araújo — Porque ninguém me havia perguntado sobre
isso antes.
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