Carta O
Berro......................... .............................. ..repassem
O estupro da razão
Por Izaías
Almada.
Volto ao país depois
de merecidas férias. Visto à distância, o Brasil é um país como outro qualquer.
É como estar em São Paulo, por exemplo, e ler as notícias sobre países europeus,
asiáticos ou sobre nossos vizinhos sul-americanos. As notícias do dia a dia são
muitas vezes superficiais, sensacionalistas, procurando encobrir a natureza dos
motivos pelos quais elas acontecem ou se desenvolvem.
A diferença, é
claro, se dará por conta do conhecimento que temos da nossa própria realidade,
os interesses e os fatores objetivos e subjetivos que se entrelaçam na
informação produzida por jornais, televisões, revistas, sites e
blogues.
A Rede Globo de
Televisão, beneficiária e por isso mesmo defensora do golpe de Estado no Brasil
em 1964 (ou seria o contrário?) chamou uma vez mais para si os olhares da nação,
muitos deles cada vez mais descontentes com o que ali assistem.
Detentora de uma
estratégia e de um marketing de comunicação imposto pelo poder econômico que
construiu e que a sustenta, a emissora vem atravessando os anos colocando-se
acima das leis e da Constituição, uma vez que o seu DNA foi formado no período
autoritário mais recente da história política brasileira.
Ao se arrogar em
fazer o que quer, a Rede Globo finge não ver que a ditadura já terminou e
apresenta-se com aquela prepotência dos que fingem que nada de mais se passa à
sua volta. Coloca-se acima da própria Constituição do país (consultar os artigos
221 e 223 da Constituição).
Talvez o braço mais
forte do pequeno grupo que comanda impunemente a informação no Brasil, a “Venus
platinada”, como alguns a chamaram ou ainda a chamam, não tem pelo país qualquer
tipo de consideração, a não ser aquela – é claro – em benefício próprio, quando
se proclama líder de audiência em vetustos programas, entre eles alguns já
mofados e embolorados como “Fantástico”, “Jornal Nacional”, “Faustão”, “Programa
da Xuxa” e a maioria de suas telenovelas, cujo conteúdo, aliás, é de dar enjôo
em antiácido.
Baseados na antiga
falácia de que a televisão produz aquilo que o povo gosta de ver, as emissoras
de um modo geral e a Rede Globo em particular, mistura alhos com bugalhos
propositadamente, pois sabe que um povo desinformado, confuso, indisciplinado,
ignorante de seus direitos constitucionais, iludido por partidos políticos de
pouca ou nenhuma expressão ideológica, é um povo paralisado e
medroso.
A estratégia de
desinformação coloca o cidadão diante da dúvida, da negação da própria política,
do desânimo, da apatia, do medo.
Ainda assim, é
possível identificar alguns bolsões de resistência a esse plano de manipulação
de consciências e de votos, que transforma o país num amálgama de
incertezas.
As manifestações de
vários setores da sociedade quanto ao possível estupro de uma cidadã brasileira
num programa de qualidade cultural zero são sinais de conscientização do entrave
que representa para a democracia a existência de uma mídia partidarizada e
defensora dos privilégios do poder econômico.
Imprensa livre, sim,
mas não usurpadora do poder político, também ele livre, dos cidadãos e
contribuintes.
Condenável sob todos
os aspectos, até porque toda a armação foi para aumentar a audiência de um
programa lamentável, o maior estupro não é o que a TV Globo mostrou, mas é o
estupro que se faz da razão, da nossa inteligência e da própria
democracia.
***
Izaías Almada, mineiro de Belo
Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de
Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A
metade arrancada de mim, O medo por trás das
janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros
de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua
46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora
para o Blog da
Boitempo quinzenalmente, às
quintas-feiras.
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