Carta O
Berro......................... .............................. ..repassem
Europa: a face desumana da crise
OUTRAS
PALAVRAS
Em Portugal, aumentam suicídios e criminalidade. Tecnocrata descobre que culpados pelo desemprego são… os demitidos. Polícia alarma-se com protestos
Por Antonio Barbosa Filho, correspondente na Europa
De um lado,
temos os números da crise que afeta Europa e Portugal – e a discussão técnica
sobre causas, efeitos e caminhos para contorná-la; de outro, temos as reações
das pessoas comuns, compondo um cenário que se pode traduzir numa palavra:
perplexidade.
Economistas
não atentam muito aos efeitos sociais e individuais de uma política recessiva
levada ao extremo, como ocorre em Portugal. Por exemplo, não há nenhum estudo
econométrico sobre o aumento da taxa de suicídios em relação a cada ponto
percentual de retração do PIB, pelo menos aqui em Portugal. Na Grécia falida já
se sabe que os suicídios aumentaram 17% de 2007 para 2009, e dados ainda não
oficiais acrescentam uma subida de 25% em 2010.
Em
Portugal, há apenas uma informação da base de dados Pordata, registrando que
1098 pessoas suicidaram-se em 2010, ou 84 a mais do que no ano anterior, mas sem
avaliação de quantas dessas mortes podem ser relacionadas aos problemas
econômicos agravados. Mesmo assim, o secretário de Estado da Saúde, Leal da
Costa, admite podem aumentar os casos de morte auto-provocada, diante de
circunstâncias como “aumento do desemprego, aumento de situações de maior
dificuldade social, individual e familiar”. O governo apela à solidariedade
entre as pessoas, como meio de aliviar as pressões e traumas psicológicos
devidos às dificuldades materiais. Antes de ser criticada por jogar nas costas
da sociedade um problema que sucessivos governos criaram, a Secretaria anuncia
que tem um plano de prevenção de suicídio “que está sendo ultimado e isso para
nós é prioritário”, na palavra de Leal da Costa.
Até a
Igreja, tradicionalmente conservadora, começa a falar na crise e exigir uma
posição mais ativa das autoridades e dos católicos, no alívio de suas
consequências no plano pessoal. Na missa de Páscoa, há poucos dias, o arcebispo
de Braga, D. Jorge Ortiga, disse que há “demasiadas mãos sujas com a iniquidade,
com a exploração dos fracos ou com as conjunturas de interesses. E isto acontece
porque há mãos limpas mas atadas pelo ‘deixar correr’, não querer
comprometer-se, ter medo do que poderá acontecer”. Diante da indiferença da
maioria com os que mais sofrem com a crise, o arcebispo advertiu que Portugal
vive em “tempo de risco de um grande colapso
social”.
O curioso é
que as medidas recessivas, cortes de gastos sociais e reengenharia no serviço
público e empresas privadas (o que se traduz no aumento do desemprego) começam a
preocupar o governo e a troika (como são chamados o Banco Central
Europeu, Comissão Européia e FMI, responsáveis pelo “socorro” a Portugal há um
ano) Motivo: elas começam a dar os resultados previsíveis… Impôs-se a recessão,
e agora revela-se surpresa porque a recessão dói socialmente, paralisa a
economia, reduz a arrecadação, e traz efeitos contrários aos apregoados pelos
defensores deste remédio amargo.
Chefe-adjunto da missão da troika em
Portugal, o austríaco Peter Weiss, sugeriu que a culpa pelos altos índices de
desemprego é… dos desempregados! Ele afirmou que as taxas de desocupação estão
acima do previsto porque muitos trabalhadores, que esperavam ser demitidos em
maio ou junho, estão pedindo dispensa agora. Na verdade, eles querem proteger-se
contra a redução do salário-desemprego – mais uma medida draconiana exigida
pelos organismos assumiram o controle sobre a economia portuguesa.
Weiss fez
uma comparação típica da burocracia bancária empenhada em demolir o estado de
bem-estar que fez a Europa rica e poderosa durante décadas: “Isso acontece
sempre. Quando se aumentam os impostos sobre o tabaco, as pessoas começam a
comprar mais cigarros. É um comportamento normal”.
Tais
declarações, feitas no início de abril, causaram muita irritação nas ruas, onde
as pessoas perguntam quem é Peter Weiss para dizer que o trabalhador português
está antecipando o próprio desemprego: “Esse homem não foi eleito por nós, nem
pela União Europeia, não tem autoridade para analisar os problemas que vivemos
por causa da troika e dos governos submissos”, desabafa Francisco
Soares, pequeno comerciante em Óbidos.
Cadeias Lotadas: Tem a ver com a crise
o fato de as cadeias portuguesas ficarem muito mais cheias de três anos para cá?
Desde o ano 2000, o número de presidiários vinha caindo gradativamente; mas em
2008, a curva de condenações voltou a subir rapidamente. Neste abril, pela
primeira vez, Portugal superou a marca dos 13 mil detentos. As cadeias têm
capacidade para 1,2 mil presos a menos que este número, e não há recursos para
ampliações.
A falta de
recursos preocupa também a polícia especializada em controle de manifestações
sociais, que devem aumentar em resposta ao agravamento da crise. No seu plano de
atividades para 2012 a Polícia de Segurança Pública (PSP) já previa uma fase de
desafio “quer ao nível da criminalidade, quer ao nível da determinação,
competência técnica e bom senso na atuação em situações decorrentes do
direito de reunião e manifestação, quer ainda na assertividade e rigor
de gestão e empenho dos seus próprios recursos”.
A PSP,
assim como a Guarda Nacional Republicana e a Polícia Judiciária, estão
mobilizadas para controlar e, se for o caso, reprimir manifestações populares
previsíveis. A pretexto de combater a criminalidade, os órgãos de segurança
demandam mais recursos, aumentam a vigilância sobre a população e os movimentos
sociais e preparam-se para possíveis confrontos. Assim como na Grécia, o povo
não aceita passivamente o ônus da crise – sempre imputado ao trabalhador, ao
jovem, à dona-de-casa. Os mais desesperados recorrem ao suicídio, como tem
ocorrido crescentemente, sob fingida ignorância da mídia; outros vão à greve e
quando desempregados, às ruas.
> Edições anteriores da coluna:Portugal, um ano nas mãos da troika
Direita no poder, demissões, restaurantes vazios, moradores de rua. Retratos de um país rendido (por enquanto…) à ditadura das finanças
Da Grécia à América Latina: as dívidas
Seria benéfico à Europa entender como Argentina e Equador enfrentaram seus credores em passado recente. Existem alternativas aos “pacotes de austeridade”
Europa: até a prostituição em crise
Empobrecimento no Leste multiplica casos de tráfico de mulheres, levando violência até a países onde profissão foi regulamentada, como Holanda
______________________________
No hay comentarios:
Publicar un comentario