Carta O
Berro......................... .............................. ..repassem
MANIFESTO
DE TRÊS PASSOS
“Apenas mudaram as armas, mas
os objetivos permanecem: viver com liberdade, com qualidade e, principalmente,
tendo consciência do nosso papel no mundo”.
(Roberto de
Fortini)
Ex-presos políticos, familiares de vítimas da
ditadura, representantes de movimentos sociais, militantes partidários e demais
lutadoras e lutadores sociais, com a presença de militantes do Comitê Popular
Memória, Verdade e Justiça do RS, reúnem-se em Três Passos, neste 28 de agosto
de 2012, para denunciar publicamente o terror e as violações impostas pelos
agentes da ditadura contra militantes e moradores da Região.
A escolha de Três Passos não foi em vão: durante a
ditadura civil – militar que assombrou o país, por 21 anos, neste pedaço do Rio
Grande jovens e corajosos idealistas preparavam um campo de resistência à
ditadura e para restabelecer a democracia no País. Neste período da
história,o
município tambémfoi palco de tristes episódios que assombraram e ainda
hoje estão vivos na memória da população.
Ironicamente, o local onde atualmente as pessoas
buscam aliviar suas dores - o Hospital de Caridade do município -, em maio de
1970 abrigava um quartel da Brigada Militar, utilizado como centro de repressão
e tortura contra dezenas de presos políticos, a maioria ligados à Vanguarda
Popular Revolucionária – VPR, liderada pelo italiano Roberto de
Fortini.
Sob a coordenação do atual Coronel Paulo Malhães,
o mesmo monstro que organizou a “Casa da Morte”, em Petrópolis no RJ, agentes do
DOI/CODI e do DOPS se deslocaram para Três Passos para aplicar suas técnicas de
tortura, interrogatórios e guerra psicológica. Tanto os ex – presos políticos e
seus familiares, como os moradores da Região, recordam a brutal sessão coletiva
de tortura que ficou conhecida como “A noite de São Bartolomeu”, em alusão ao
massacre de protestantes, ocorrido na França, em 1572.
Tanto ódio e sadismo justificava a descoberta de
um dos grandes focos de organização da luta libertadora no Brasil: o comandante
Carlos Lamarca se deslocaria para a Região, acompanhado de um significativo
grupo de civis e militares patriotas, para organizar o que para eles seria o
principal centro irradiador da resistência contra a Ditadura. Para o grupo, o
Rio Uruguai - que ligava três países
(Argentina, Uruguai e Paraguai) a três estados brasileiros (Rio Grande do sul,
Santa Catarina e Paraná) - se configurava como área estratégica para a
guerrilha.
Com base em algumas pistas, o torturador Malhães
passou a aterrorizar toda a região em busca de maiores informações.Com a
descoberta do plano, Fortini foi preso e torturado. Nadia, sua companheira,
também foi confinada no quartel ainda recorda o inferno dos gritos,
urros e terror absoluto,no qual submergiu na noite que foi presa.
Além de Fortini e Nadia estavam, entre dezenas de
presos, o ex – vereador de aposição ao regime e militante da VPR, Reneu
Geraldino Mertz, posteriormente eleito prefeito de três Passos. Hoje já falecido
dá o nome à Praça Central da cidade. Também foram presos José Bueno Trindade, na
época também vereador em Três Passos, e o estudante Antonio Alberti Maffi,
eleito prefeito de Braga, em dois mandatos.
A região ainda é conhecida pelo famoso “Levante de
Três Passos”, onde militares patriotas ergueram-se contra a Ditadura e foram
massacrados pelo Regime. Isso prova, mais uma vez, que a Ditadura e suas
torturas não eram consenso nem mesmo dentro das Forças Armadas, mas apenas a
vitória temporária de um grupo que violou e sujou com sangue a Democracia no
Brasil. Um grupo que se sustentou pelo arbítrio, no controle das armas e
das instituições e no suporte da burguesia brasileira e internacional.
Para nós, o período da repressão representa um
processo que ainda traz consigo as marcas da dor, da humilhação, da impunidade e
do esquecimento. Mas entendemos que não há memória usurpada ou silêncio que se
mantenha para sempre. ”não há presente sem passado. Não há presente sem
memória. Não há futuro sem presente. Assim, dessa simplicidade, é feita a
história. É feita a vida, nos ensina o jornalista e escritor, Eric
Nepomuceno.
Contra a história oficial da ditadura e para
honrar os sonhos de justiça e liberdade pelos quais lutaram nossos heróis, nos
propomos ao que segue:
- Lutar pela verdade ao denunciar os governos da
repressão que usurparam do povo brasileiro o direito à memória;
- Lutar contra a impunidade aos crimes de lesa -
humanidade cometidos pelos agentes da ditadura no Brasil;
- Exigir a punição dos torturadores, como o
tenente-coronel Paulo Malhães, que comandou as cenas de perseguições e torturas
nesta Região do RS;
- Lutar para que o judiciário brasileiro se
imponha perante os responsáveis pelo Terrorismo de Estado e reconheça como justiça o
julgamento e a condenação pelas torturas, perseguições e mortes dos cadáveres
sepultados ou desaparecidos, a exemplo do que ocorre em países como o Uruguai e
Argentina;
- Lutar pela reinterpretação ou revisão da Lei de
Anistia, que há 33 anos, em 28 de agosto, de 1979, foi sancionada pelo ditador
João Batista Figueiredo, e que se constitui como simples iniciativa de
reconciliação nacional ao igualar torturados e torturadores. Atualmente
o Supremo
Tribunal Federal acolhe essa interpretação mantendo, assim, a já tradicional
amnésia histórica.
- Por fim, nos propomos a auxiliar os trabalhos
das Comissões Nacional e Estadual da Verdade, por meio do levantamento e
identificação dos agentes e vítimas da ditadura, bem como dos locais que
funcionaram como centro de prisões e torturas na Região.
Três Passos, 28 de agosto de
2012
COMITÊ
POPULAR MEMÓRIA VERDADE E JUSTIÇA
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