Carta O
Berro......................... .............................. ..repassem
Ex-chefe do Doi-Codi
14.08.2012 14:59
Em decisão inédita, tribunal reconhece militar como torturador
Pela primeira vez na história da Justiça brasileira, um órgão colegiado reconheceu os crimes de um agente da ditadura. Nesta terça-feira 14, a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a responsabilização do coronel reformado do Exército Carlos Brilhante Ustra, ex-comandante do Doi-Codi paulista, pelas torturas sofridas por três integrantes da família Teles entre 1972 e 1973. Com a decisão, a tortura no Brasil passa agora a ter rosto, nome e sobrenome – e abre possibilidade para que novas ações sejam tomadas nesta direção, como lembrou o jurista Pedro Serrano (clique AQUI para ler)Até então, medidas semelhamtes só haviam sido tomadas em decisões isoladas de juízes de primeira instância e eram derrotadas nos tribunais superiores.
Trata-se de uma ação declaratória, sem pedido de indenização. Ou seja: a família vítima de tortura pedia apenas que a Justiça reconhecesse o ex-militar como torturador. Há quatro anos, o juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível, já havia responsabilizado Ustra pelos crimes. Nesta terça-feira, os desembargadores da 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP julgaram a apelação e mantiveram a decisão da primeira instância. Ainda cabe recurso à decisão no Supremo Tribunal Federal ou no Supremo Tribunal de Justiça.
Ustra chefiou o DOI-Codi, órgão da repressão, entre outubro de 1969 e dezembro de 1973. Maria Amélia Teles e seu marido, César Augusto Teles, foram torturados pelos agentes da ditadura após serem presos em 1972.
“A justiça brasileira chegou a essa decisão justamente quando está fazendo 40 anos que eu e minha famílias fomos torturados”, diz Amélia. “Faz sete anos que entramos com a ação, e nesse tempo a Justiça avançou. O tribunal mostrou que é intolerável a sociedade conviver com a total impunidade dos crimes cometidos pela ditadura”.
“Eu acho que a humilhação de ter sido torturado e a tristeza de ter familiares mortos sob torturas é uma impressão que não se apaga. Mas essa sentença veio reparar a dignidade do Estado brasileiro que estava numa situação de desonra universal”, disse ao final do julgamento o advogado da família Teles, Fábio Konder Comparato.
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Para
os mais jovens entenderem melhor o significado deste julgamento de hoje, segue a
íntegra da entrevista que fizemos com Amelinha Teles, torturada pessoalmente por
Ustra.
Viomundo – Quem é o coronel Carlos Alberto
Brilhante Ustra?
Amelinha Teles – É um oficial do Exército, atualmente
reformado. Em 1972, quando minha família e eu fomos presos, ele era major do
Exército e comandante do DOI-Codi de São Paulo, que era um centro de
tortura.
O
Ustra, como comandante do DOI-Codi, fez parte das estratégias políticas da
ditadura para sequestrar mulheres, homens, crianças, torturar, assassinar,
ocultar cadáveres.
Quem
passa hoje pela 36ª Delegacia de Polícia de São Paulo, na rua Tutóia, acha que é
uma delegacia qualquer. Só que nos fundos, na época da ditadura, funcionou o
primeiro órgão de repressão ligado ao Exército. Foi chamado inicialmente de
Operação Bandeirante – a Oban – e depois se transformou em Destacamento de
Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna
– o DOI-Codi/SP –, que daí se estendeu por vários estados
brasileiros.
Muitos
dos integrantes da Operação Bandeirante, entre os quais o Ustra, começaram a
fazer parte não só do DOI -Codi, mas também de um esquema de eliminar os
opositores políticos na região do Cone Sul: Chile, Bolívia, Paraguai, Argentina,
Uruguai. O próprio Ustra foi a outros países para fazer este tipo de ação, de
eliminação, mesmo.
Viomundo – No seu caso, como é que foi?
Amelinha Teles – Eu e meu marido estávamos acompanhando
um dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Carlos Nicolau Danielli,
e fomos presos juntos em 28 de dezembro de 1972. Nós fomos testemunhas oculares
do assassinato do Danielli. Torturam-no tanto que ele morreu três dias depois,
em 30 de dezembro, nas dependências do DÓI-Codi, sob o comando do então major
Ustra.
Eu fui
torturada pelo Ustra praticamente no primeiro minuto que cheguei ao pátio da
Oban. Vendo o Danielli sendo espancado, levando chutes, já ali no pátio, o César
sendo torturado, eu falei alguma coisa no sentido de fazer um apelo, que não era
possível tratar um ser humano daquela forma. Ele, com as costas da mão, me deu
um safanão no rosto, me jogando no chão, gritando: foda-se!
Foi a
senha para que os demais torturadores me arrastassem pelos corredores, me
levassem até a sala de tortura e começassem também a me torturar. Me colocaram
no pau de arara e na cadeira do dragão, fui submetida a afogamento, choque
elétrico por todo o corpo, inclusive nos órgãos genitais,
palmatória.
O
Ustra foi buscar então os meus filhos e a minha irmã na nossa casa. As crianças
foram levadas para a sala onde eu estava sendo torturada na cadeira do dragão,
toda urinada, com fezes, vômito, sangue pelo corpo.
Amelinha
Teles – A Janaína tinha 5 anos de idade e o Edson, 4. Eles foram
sequestrados da minha casa e levados para DOI-Codi, para nos pressionar
psicologicamente. Além de mim, ele torturou fisicamente o meu companheiro César
Augusto Teles, minha irmã Criméia de Almeida, que estava grávida de 7 meses, e
psicologicamente os meus filhos.
Meu
filho Edson ficou em estado de choque, um dia disse: “Mãe, o que aconteceu aqui?
Por que você está verde e o meu pai ficou azul?”
Teve
uma hora que eu falei para o Ustra: “Por que o senhor faz isso [tortura] com meu
marido? Ele está diabético e tuberculoso!” Ele respondeu: “Nós vamos continuar.
É bom para ele tenha agora um câncer”.
O
Ustra era o homem da Operação Bandeirante. Ali, foi uma escola de tortura, que
mandou torturadores para vários estados brasileiros e países, para perseguir
militantes políticos de oposição à ditadura. Naquela época, ele tinha uma
influência muito grande. Ele estava sempre gritando, dando ordens, criando um
clima de verdadeiro terror naquele inferno. Eles mesmos diziam: “Aqui, você está
na Oban, aqui você está no inferno”.
Viomundo – O que o Ustra queria saber de
você?
Amelinha Teles – Ele queria saber se eu tinha contato com
o João Amazonas, que era presidente do PCdoB. Ele queria também que eu
entregasse oito militantes do PCdoB. Essas, segundo ele, eram a razão de eu
estar sendo torturada. Acho que eles te torturam muito para te fazer perder a
esperança de que o mundo pode ser transformado num mundo de justiça, de
igualdade. Eles querem te desmoralizar, ofender a tua
dignidade.
Viomundo – E a tua irmã?
Amelinha Teles – A Criméia entrou na Oban como se fosse a
babá das minhas crianças. Ela tinha um nome falso. Na verdade, ela não era babá.
Foi um artifício que encontrou ali na hora. Eles procuravam a minha irmã que era
guerrilheira. Mas foram tão incompetentes que nos primeiros dez dias não
identificaram que a minha irmã estava ali. Quando descobriram, quem foi me
torturar foi o general Humberto Souza Neto, que era o comandante do II Exército.
Com aquele bastão de comando, bateu em mim, na Criméia e no torturador que
estava junto, chamando-o de idiota, incompetente. “Afinal de contas”, diz ele,
“a cara de uma é focinho da outra. Onde já se viu que comunista ter babá. Só na
cabeça de vocês para acreditar numa história dessas.”
Viomundo – O general bateu no torturador na
frente de vocês?!
Amelinha Teles – Bateu. Me lembro muito bem: era velho e
barrigudo. Ele bateu com o bastão. E o torturador não levantou um dedo. Aquilo
me chamou atenção, porque torturadores espancavam a gente com tanta força, tanta
violência, e aquele apanhou. Ele poderia bater no velho, mas não o fez. É a
hierarquia. Ele só olhava para baixo. Claro que quando o general saiu, pegaram a
gente. Fomos torturadas durante dias.
Viomundo – Você viu o Danielli ser
assassinado. Como foi?
Amelinha Teles — O Danieli foi muito, muito torturado. No
terceiro dia da prisão, ele morreu numa sala de tortura. Estava nu, com uma
barriga inchada, enorme, eele era uma cara magro, sangrava pela boca, nariz,
ouvido.
Alguns
dias depois “capitão” Ubirajara, cujo nome verdadeiro é o Aparecido Laertes
Calandra, na época investigador da Polícia Civil, me chamou numa sala de tortura
e disse “leia aqui”, me mostrando um jornal. Estava escrito: Terrorista morto em
tiroteio. E tinha a foto do Danielli.
Eu
falei: “Isso é mentira. O Danielli morreu aqui nesta sala”. Ele respondeu: “É
pra você ver como são as coisas. Amanhã você também pode ser uma manchete de
jornal”.
Isso
que eu e o César assistimos no caso do Danielli se repetiu com vários outros
casos na Oban. Era esse o esquema usado.
Em 7
de julho de 1973, nós denunciamos isso na Justiça Militar, ali na avenida
Brigadeiro Luis Antonio. O juiz não queria ouvir. Ele gritava e dizia que nós
éramos terroristas.
Eles
criavam a figura do terrorista, para justificar todas as atrocidades contra nós.
Lembro que foi muito difícil, mas eu e o César denunciamos o assassinato do
Danielli, a tortura da Criméia, grávida de 7 meses. Ela também foi torturada
pessoalmente pelo Ustra. Nós denunciamos também, já na época, o seqüestro dos
nossos filhos Edson e Janaína.
Viomundo – Exatamente quando você entrou na
Justiça contra o Ustra, denunciando as torturas praticadas por
ele?
Amelinha Teles – A família Teles, da qual faço parte,
entrou com uma representação na Justiça aqui em SP na área cível em 2005. Pela
primeira vez na Justiça brasileira se falou imprescritibilidade dos crimes
praticados por violações dos direitos humanos. O juiz aceitou o nosso pedido.
Além de mim, assinam a representação o meu companheiro, a minha irmã e os meus
dois filhos.
Viomundo – O que vocês
pleiteiam?
Amelinha – A nossa representação tem o nome de Ação
Declaratória, porque nós queremos que o Estado brasileiro declare o coronel
Carlos Alberto Brilhante Ustra torturador. Ele é um
torturador.
Nós
entramos com ação em 2005, como eu já disse, e ela foi tramitando até que em
2008 houve a decisão, que é uma sentença.
Quem
perde a ação, pode entrar com recurso na 2ª instância, caso não concorde com a
decisão. Ainda em outubro de 2008, o Ustra entrou com recurso para não ser
condenado como torturador. Aí, começaram a ser marcadas as audiências para o
julgamento.
A
primeira data foi maio de 2012, portanto deste ano. A sessão de julgamento
chegou a começar, mas quando chegou a vez do advogado da nossa família se
pronunciar, o dr. Fábio Konder Comparato disse que a decisão era histórica, a
sua importância extrapolava o território brasileiro, porque era uma decisão que
dizia respeito a convenções internacionais de direitos humanos. De maneira que o
Brasil estava sendo olhado pelo mundo inteiro para ver como o Brasil ia tratar o
seu passado. Afinal, tinha acabado de ser criada aqui a Comissão Nacional da
Verdade.
O
professor Fábio insistiu junto aos desembargadores que a decisão que tomassem
seria repercutida no mundo inteiro. Aí, eles pediram vista do processo, para
poderem reanalisá-lo.
O
julgamento foi marcado então para o dia 7 de agosto, semana passada. Houve novo
cancelamento, porque dois desembargadores não poderiam participar. E foi
remarcado para esta terça-feira, 14 de agosto.
Viomundo – Qual a tua expectativa?
Amelinha Teles – Entre desaparecidos e assassinados
daquela época, há cerca de 40 pessoas que passaram pelas mãos do Ustra de alguma
forma, porque ele é quem comandava, ele é quem dava as ordens. Eu fui torturada
na mesma sala em que o Merlino estava sendo torturado pelo
Ustra.
Logo,
é importante que o Tribunal de Justiça ratifique a decisão de primeira instância
porque tem de se fazer Justiça. O Tribunal de Justiça tem de estar de acordo com
as leis internacionais de direitos humanos, pois a Constituição brasileira apóia
todos eles. Então a importância disto está em se fortalecer a democracia no
país, para se construir um estado de fato democrático.
E
junto com isso é preciso uma transformação das instituições das forças armadas.
A matança, a tortura e o extermínio ainda estão acontecendo nos dias de hoje.
Todos os dias nós estamos nos deparando com casos de atrocidades com inocentes
que são assassinados, exterminados nas ruas de São Paulo por
policiais.
Um
país que não resolve um problema do passado recente, não vai para a frente. Não
se pode construir uma democracia com uma polícia tão truculenta, que age como se
estivesse numa guerra civil.
A
Policia Militar foi criada na época da ditadura militar por iniciativa das
Forças Armadas. Na época da ditadura, se considerava que o comunista estava
dentro do povo. Então, se dizia que o inimigo estava dentro do povo e poderia
ser qualquer um.
Agora,
em vez do comunista, é jovem que está na rua. O Brasil é um país onde até hoje
nós convivemos com presos políticos que não foram encontrados, que não foram
sepultados. Enquanto na Argentina, torturador vai para a cadeia, como o
ex-presidente Jorge Videla, e volta e meia mais uma avó da Praça de Maio
consegue localizar o neto, nós, aqui, não. Precisamos botar um fim na
impunidade.
http://www.viomundo.com.br/
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