26 de julho de 2015 - 9h05 - Publicado no Vermelho
Robert Reich: Como o Goldman Sachs lucrou com a crise da dívida grega
A
crise da dívida grega põe em evidência uma vez mais os poderes de
persuasão e predação de Wall Street – uma peça que permanece invisível
na maioria dos relatos sobre a crise do outro lado do mundo.
Por Robert Reich
Em 2001, a Grécia buscava maneiras de mascarar seus crescentes problemas financeiros. O Tratado de Maastricht exigia que todos os membros da zona do euro mostrassem melhoras em suas contas públicas, mas a Grécia ia na direção oposta. Então o Goldman Sachs veio em seu socorro, oferecendo um empréstimo secreto de 2,8 bilhões de euros, disfarçado de swap cambial não contabilizado – uma operação complicada, em que a dívida da Grécia em moeda estrangeira foi convertida em obrigações em moeda local, utilizando uma taxa de câmbio fictícia.
Como resultado, cerca de 2% da dívida da Grécia magicamente desapareceram de suas contas nacionais. Christoforos Sardelis, então chefe da Agência de Gerenciamento da Dívida Pública da Grécia, mais tarde descreveu o acordo na Bloomberg Business como "uma história muito sexy entre dois pecadores”. Pelos serviços, o Goldman recebeu a soma colossal de 600 milhões de euros (793 milhões de dólares), de acordo com Spyros Papanicolaou, que substituiu Sardelis em 2005. Isso representou quase 12% da receita da gigantesca unidade do Goldman de trading e principal-investments em 2001 – que, aliás, bateu recorde de vendas nesse ano. A unidade era dirigida por Blankfein.
Então, o negócio azedou. Após os ataques de 11 de setembro, o rendimento dos títulos caiu, resultando em grande perda para a Grécia por causa da fórmula usada pelo Goldman para calcular o pagamento da dívida do país com o swap. Em 2005, a Grécia já devia quase o dobro do que constara no acordo, fazendo a dívida não declarada saltar de 2,8 bilhões para 5,1 milhões de euros. Em 2005, o acordo foi reestruturado e a dívida fixada em 5,1 milhões. Talvez não por acaso, Mario Draghi, hoje presidente do Banco Central Europeu e um ator importante no atual drama grego, era então o diretor da divisão internacional do Goldman.
A Grécia não foi a única a pecar. Até 2008, as normas contábeis da União Europeia permitiam que os membros gerissem suas dívidas através das chamadas tarifas fora do mercado em trocas de moedas, estimuladas pelo Goldman e por outros bancos de Wall Street. No final da década de 1990, o JPMorgan permitiu que a Itália ocultasse sua dívida trocando de moeda a uma taxa de câmbio favorável, comprometendo assim a Itália a realizar pagamentos futuros que não apareciam nas contas nacionais como obrigações futuras.
Mas era a Grécia quem estava em pior situação, e o Goldman foi o maior facilitador. Sem dúvida, o país sofre por anos de corrupção e evasão fiscal de sua elite. Mas o Goldman não foi um espectador inocente: aumentou seu lucro, especulando ao máximo com a Grécia, assim como boa parte do mercado global. Outros bancos de Wall Street fizeram o mesmo. Quando a bolha estourou, toda aquela especulação deixou a economia mundial de joelhos.
Mesmo com a economia global se recuperando dos excessos de Wall Street, o Goldman ofereceu à Grécia outro artifício. No início de novembro de 2009, três meses antes de a crise da dívida do país se tornar notícia mundial, uma equipe do Goldman propôs um instrumento financeiro que prolongaria a dívida do sistema de saúde da Grécia por muitos anos. Desta vez, porém, a Grécia não topou.
Como sabemos, Wall Street foi socorrida pelos contribuintes norte-americanos. Nos anos seguintes, os bancos tornaram-se novamente rentáveis e reembolsaram seus empréstimos de resgate. As ações dos bancos dispararam. Em novembro de 2008, uma ação do Goldman era negociada a 53 dólares; hoje, vale mais de 200 dólares. Os executivos do Goldman e de outros bancos de Wall Street têm recebido enormes bônus e promoções. Só no ano passado, Blankfein, hoje diretor-executivo do Goldman, ganhou 24 milhões dólares.
Enquanto isso, o povo da Grécia luta para comprar remédios e comida.
Há situações análogas nos EUA, a começar pelos empréstimos predatórios feitos pelo Goldman, outros grandes bancos e empresas financeiras com que estavam aliados nos anos que antecederam o estouro da bolha. Hoje, enquanto os banqueiros curtem as férias nos Hamptons, milhões de americanos continuam a sofrer as consequências da crise financeira, quando perderam empregos, economias ou mesmo suas casas.
Da mesma forma, cidades e estados americanos têm sido obrigados a cortar serviços essenciais por estarem presos a operações similares, negociadas pelos mesmos bancos de Wall Street. Muitas destas operações envolvem swaps como o realizado entre o Goldman e o governo grego. Assim como fizeram com o governo grego, o Goldman e outros bancos asseguraram aos municípios que a troca de taxa de variação cambial permitiria pegar empréstimos mais baratos do que se negociassem com taxas fixas tradicionais – enquanto, por outro lado, minimizavam os riscos do negócio. Quando as taxas de juros desabaram e os swaps acabaram custando muito mais, o Goldman e os outros bancos se recusaram a renegociar com os municípios, que tiveram que pagar pesadas multas para encerrar os contratos.
Há três anos, o Departamento de Água de Detroit teve de pagar ao Goldman e outros bancos multas num total de 547 milhões de dólares para encerrar swaps de taxas de juros desvantajosos. Hoje, 40% do preço das contas de água de Detroit ainda vão para o pagamento da multa. Moradores de Detroit cuja água foi cortada porque não puderam pagar não têm ideia de que os responsáveis pela situação são o Goldman e outros grandes bancos. Da mesma forma, o sistema educacional de Chicago – cujo orçamento já foi cortado até o talo – deve pagar mais de 200 milhões de dólares em multas pelo encerramento de uma operação de Wall Street que obrigava as escolas de Chicago a pagar 36 milhões de dólares por ano em swaps de taxas de juro.
Uma operação envolvendo swaps de taxa de juro que o Goldman negociou com Oakland, Califórnia, mais de dez anos atrás, acabou custando à cidade cerca de 4 milhões de dólares por ano, mas o banco se recusou a encerrar o acordo sem que Oakland pagasse 16 milhões de dólares pela rescisão – levando os legisladores locais a aprovar uma resolução para boicotar o Goldman. Quando, em uma reunião de acionistas, Blankfein foi perguntado sobre o caso, explicou que romper um contrato válido ia contra os interesses dos acionistas.
Goldman Sachs e os outros bancos gigantes de Wall Street são extremamente hábeis para vender operações complexas, exagerando seus benefícios e minimizando os custos e riscos. É assim que abocanham taxas gigantescas. Quando um cliente tem problemas – seja este cliente um investidor americano, uma cidade dos EUA, ou a Grécia – o Goldman se esquiva e se esconde por trás de formalidades legais e dos interesses dos acionistas.
Os devedores que se encontram com problemas raramente são irrepreensíveis, é claro: além de gastarem muito, foram ingênuos ou estúpidos o bastante para embarcar na canoa do Goldman. A Grécia criou seus próprios problemas, assim como muitos proprietários e municípios americanos.
Mas, em todos os casos, o Goldman Sachs sabia muito bem o que fazia. Conhecia melhor os riscos reais e os custos das operações que propunha do que aqueles que os aceitaram. "É uma questão de moralidade", disse o sócio na reunião Goldman em que se abordou a situação de Oakland. Exatamente.
Tradução de Clarisse Meireles
Fonte: Carta Maior
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