Quem controla as agências de rating? (por Jorge Barcellos)
Uma obra coloca abaixo as pretensões das notas de rating das
agências de risco. É “Ordem Mundial e agências de rating (O Brasil e as agências na era global
1996 2010)”, de Ricardo Ywata (Senac, 2012). Ywata é doutor em Ciências Sociais
na área de Relações internacionais pela PUC de São Paulo e tem experiência como
funcionário da diretoria internacional do Branco do Brasil por mais de dez anos.
O que ele diz vai contra tudo o que a mídia conservadora diz em seus editoriais
em defesa da nota de rating atribuída ao Brasil pelas agências de risco. Vejamos
seus argumentos centrais.
A origem das agências de classificação
de risco remonta ao final do século XIX nos Estados Unidos. Seu objetivo é
efetuar a classificação de risco (rating) de tíulos de emissores públicos ou
privados, empresas públicas ou privadas e governos. Para o rating de países as
empresas levam em consideração, entre outros fatores, a condução da política
fiscal e monetária, o nível de individamento e o ambiente sociopolítico do
pais.
A Standard & Poor’s (S&P),
agência que rebaixou a nota do Brasil, é uma das três agências que atuam no
segmento de classificação mundial de riscos. Com 50% do mercado, ela divide com
a Moody’s (35%) e a Finch (15%) o domínio do segmento. A S&P surgiu em 1860
quando foi fundada a The McGraw-Hill Companhies, provedora de serviços de
treinamento e informação financeiros. Hoje, a S&P faz parte de um grupo que
inclui a revista Business Week e a editora de livros didáticos McGraw-Hill. A
S& P possui mais de 290 escritórios e 6.300 funcionários em 37 países. Com
ações na bolsa de valores, tem mais de um trilhão de dólares em ativos de
investidores no índice-norteamericano S&P 500. A primeira informação de
Ywata essencial para a redução da importância da nota da empresa no
direcionamento da política econômica nacional é ” a S& P naõ conduz uma
auditoria relacionada a nenhum rating” (p. 117).
A própria agência alerta que não tem
uma fórmula exata para combinar pontos (scores) para determinar os ratings “As
variáveis analíticas são inter-relacionadas e os pesos não são fixos, nem entre
os diversos governos soberanos e nem ao longo do tempo”. Este é um ponto
essencial para a crítica as notas atribuídas pela agência, isto é, a fragilidade
e falta de transparência de sua metodologia frente ao poder que obtém. Quer
dizer, o que ocorre é que as agências utilizam dados pouco transparentes para
tentar influenciar o comportamento de autoridades. A S& P influencia as
políticas financeiras através de conselhos ou sugestões sobre medidas a serem
implementadas, monitoramento ou fiscalização, ou emitindo alertas, pressões e
ameaças propriamente ditas.
O tom de chantagem é constante entre
as agências. No Relatório de 3/9/1998, afirma Ywata, a agência de rating Ficht
alertava que “se os partidos políticos não chegarem a um acordo e isto
comprometer a política macroeconômica do pais, a nota poderá ser reduzida”. Quer
dizer, as declarações da agência são utilizadas como instrumentos de pressão. As
ameaças da própria S&P remontam a 16/5/2007, quando em seu relatório,
novamente, ameaçava o país: ”Qualquer retrocesso no compromisso do governo com
políticas fiscais prudentes comprometeria a perspectiva de melhora na qualidade
de crédito do pais e poderia até mesmo causar uma pressão negativa em seus
ratings”.(p.207).
Mas o que é exatamente o risco de que
falam as agências? Ora, segundo Ulrick Beck, vivemos numa “sociedade do risco”,
somos movidos pelos riscos futuros o que significa que passado perdeu o seu
poder de determinação sobre o presente. Quer dizer, algo que não existe, o
risco, é fictício, transforma-se em causa da vida e da ação no presente “Os
riscos imaginários são o chicote que faz andar o tempo presente”, diz Beck. Mas
daí Ywata explica o porquê tais agências adquirem tanto poder: ele lembra que,
para Beck, o problema da sociedade de risco é que o globalismo retira o seu
poder mais da “encenação” de ameaças que de fatos reais – daí a expressão do
autor, “dramaturgia do risco”. A nota das agências atiçam e operam pela produção
do medo, intimidam e obrigam os países avaliados a aceitarem as políticas
desejadas pelos países que tem hegemonia, daí a luta para que aceitem a
flexibilidade nos salários, a redução dos direitos trabalhistas, etc. No final,
o discurso do risco transforma-se no discurso à disposição das potências
hegemônicas para exercer dominação econômica: o discurso do risco tem sido
utilizado pelos Estados Unidos para recuperar seu poder
global.
A conclusão é que a notícia sobre o
rebaixamento da nota do Brasil merece melhor análise. A primeira característica
que devemos nos dar conta é que são as agências que buscam detectar o nível de
risco do Brasil para os investidores e não o inverso. Quer dizer, não há
avaliação do risco que representam para o pais investimentos internacionais,
empresas multinacionais, etc. Em segundo lugar, ninguém se dá ao trabalho de
verificar as categorias de critérios de avaliação de risco, que, segundo Yawta,
apenas uma se refere a risco político. O terceiro, e mais importante, é que
agências falham, não avaliando adequadamente o grau de risco dos países que se
propõem a aferir e seus erros de avaliação não sofrem sanções. Se deixam de
circular rumores de rebaixamento, como foi o caso na Argentina e em Israel, isso
provoca quedas em ações e instabilidade politica.
Pior: há claros conflitos de
interesse. Agências de rating são empresas privadas com ações na bolsa. Elas
buscam aumentar sua rentabilidade e por isso, tendem a agradar os clientes com
melhores notas. Quer dizer, elas são pagas por quem elas classificam. Pode isso
Arnaldo? A regra é clara: quem paga não deve ser avaliado. Por esta razão elas
foram acusadas de serem corresponsáveis pela crise financeira global no Fórum
Econômico Mundial de Davos em 2008. Uma das razões era a ausência de
transparência em sua metodologia. As agências não revelam seus modelos de
avaliação e críticos afirmam que não é certo que sigam um método de cálculo
padronizado. Diz Boaventura Souza Santos “os critérios adotados pelas empresas
de rating são em grande média arbitrários, reforçam as desigualdades no sistema
mundial e dão origem a efeitos perversos”.
O problema dos diversos editoriais de
jornais nacionais que valorizaram a S&P e cobraram do governo providências
imediatas é que não reconheceram que a classificação das agências não é uma
classificação qualquer: ela tem o poder de influenciar o objeto analisado. Por
isso a estratégia de não enfrentar as listagens das agências de rating é uma
estratégia errada. O que não é dito é que seu poder advém justamente da
manipulação da percepção de risco, fazendo com que sucessivos governos terminem
por nomear ministros da Fazenda de interesse do capital internacional e
incentivando a adoção de medidas que interessa mais ao capital internacional do
que aos países avaliados. A ideia do governo de garantir o superávit a qualquer
preço para agradar as agências é um erro porque expõe o pais mais uma vez aos
movimentos do capital especulativo. O governo está cedendo ao terrorismo
político da agência, que sugere que a nota poder ser ainda mais rebaixada. Fim
da soberania econômica.
O que não é dito pelos editoriais?
Que o risco é um grande negócio. A vida implica em riscos e por isto as agências
criam uma ilusão, uma “dramaturgia do risco”, a ideia de que existe uma receita
para controlá-lo. Não existe: sempre que tentamos, criamos novos riscos. Não há
receita econômica para reduzir riscos, só há receitas sociais: democracia e mais
políticas públicas sociais.
.oOo.
Jorge
Barcellos é doutor em Educação/UFRGS
No hay comentarios:
Publicar un comentario