Economia
Os bancos preparam a próxima crise global
Como a aristocracia financeira recuperou poderes e regalias que levaram ao terremoto de 2008
por Susan George — publicado 12/09/2015 07h13
Sempre
otimista, não acreditei que os bancos sairiam da crise de 2007 a 2008
mais fortes que antes, sobretudo em termos políticos. É verdade que
alguns pagaram multas que os fizeram cambalear — um total de 178 bilhões
de dólares para os bancos norte-americanos e europeus — mas consideram
que tais desembolsos são “o preço de fazer negócios”. Nenhum líderes do
setor que quebrou a economia mundial passou uma só noite na prisão, nem
teve que pagar, pessoalmente, uma única multa.
Ainda
não superamos os efeitos do terremoto financeiro vivido em 2007-2008,
mas os políticos e os próprios banqueiros já estão preparando o cenário
para a próxima crise. Estudos matemáticos mostraram a densa teia
interconectada dos atores financeiros mundiais, na qual a falha de um
deles poderia desencadear o colapso de todos. Nos colocaram no fio da
navalha, e temos boas razões para ser pessimistas:
–
Os governos e as instituições financeiras internacionais não
demonstraram nenhuma intenção de regular os bancos, o que nos expõe ao
perigo de ter que suportar uma repetição da jogada. Os bancos e os
banqueiros não só são grandes demais para falir — ou para ser presos –,
mas também para ser desafiados. Por isso, permitem-se fazer o que lhes
dê vontade.
– A adoção de
dispositivos de segurança no setor financeiro foi sistematicamente
sabotada. Não se produziu a separação necessária entre os bancos
comerciais e os bancos de investimento (o que impediria que o dinheiro
dos depositantes continuasse a ser usado para especular).
Durante mais de sessenta anos, a lei norte-americana Glass-Steagull, aprovada durante o New Deal do governo Roosevelt separou-os,
protegendo o sistema financeiro norte-americano. Foi revogada, em 1998,
sob o mandato do presidente Bill Clinton — com um grande empurrão de
seu secretário do Tesouro, Robert Rubin, ex-executivo do banco Goldman
Sachs.
Foi necessário menos
de uma década para produzir-se a quebra devastadora do Lehman Brother e
do mercado. Os políticos não atendem a razões, mas sim ao lobby
bancário. Por isso, as exigências de reservas (capital) dos bancos
continuam baixos demais. Não se aprovou nenhum novo imposto sobre as
transações financeiras. Um imposto debatido por onze paízes da União
Europeia ainda está em debate.
–
Os volumes diários de transações com derivativos e moedas cresceram 25%
ou 30% em comparação com os níveis de antes da crise, e somam trilhões a
cada dia. As operações anuais totais com derivados somam em torno de
cem vezes o Produto Mundial Bruto. O surgimento de transações
automatizadas, impulsionadas por algorítimos, move este crescimento, mas
até as máquinas e os nerdsmatemáticos podem cometer erros perigosos.
–
Grandes quantidades de empréstimos convertidos em bônus de risco
poderiam inundar uma vez mais as carteiras de investidores
instutucionais. Desta vez não estariam associados às hipotecassubprime, mas a lotes de outras categorias de dívida, como os empréstimos a estudantes ou consumidores.
–
Em 2008, a especulação desenfreada nos mercados de matérias primas
causou uma dramática alta dos preços dos alimentos, acrescentando 150
milhões de pessoas às listas dos famintos mundiais. Estas cifras não se
repetirão nem nesse ano, nem no próximo: os preços dos grãos despencaram
e 150 trilhões de dólares procedentes de Wall Street foram retirados
desses mercados nos últimos dois anos. Contudo, outras leis protetoras
do New Deal também foram revogadas
e os mercados poderão mais uma vez ser alvo de apostas sem limites,
quando as mudanças climáticas e a falta de alimento fizerem com que
sejam rentáveis.
– Os
paraísos fiscais triunfaram. Eles não beneficiam apenas o 1% mais rico.
Especializaram-se também na evasão fiscal corporativa. As maiores
corporações deixaram de pagar os impostos que lhes correspondem. Por
exemplo, as empresas francesas sonegam anualmente de 60 a 80 bilhões de
dólares. As corporações beneficiam-se de serviços públicos como a
polícia e os bombeiros, a energia, a água, o saneamento, o transporte, a
saúde, a educação e a formação para seu pessoal, e o Estado de direito,
mas não contribuem para mantê-los, de maneira que estes se deterioram.
Quem perde são os cidadãos e cidadãs, e a rede de infraestrutura. O escândalo Luxleaks –
que desmascarou a evasão fiscal de mais de 300 empresas — demonstra
que os Estados-membros da União Europeia fazem intencionalmente vistas
grossas, com a cumplicidade das quatro grandes “agências de risco”,
quando as empresas transferem contilmente seus lucros para Luxemburgo,
onde quase não pagam impostos. Os paraísos fiscais das Ilhas Britânicas
também contribuem para essa prática. Estima-se que 25% ou mais do
faturamento dos maiores bancos da União Europeia está em “centros
off-shore”; ninguém conhece ao certo esta cifra.
–
Pesquisas realizadas pelo Banco Central Europeu sobre os 130 maiores
bancos da União Europeia descobriram que estes não apoiam a economia
real — onde as pessoas vivem, trabalham, produzem e consomem. As
pequenas e médias empresas da União Europeia oferecem 80% ou 90% de todo
o emprego disponível, mas continuam tendo muitos problemas para receber
empréstimos.
Desde 2008, os bancos endureceram suas condições de concessão de crédito. OFinance Watch –
um think tank progressista de Bruxelas — afirma que só 28% de toda
atividade bancária vai para a economia real; o que sobra infla o setor
dos produtos financeiros que multiplicam o dinheiro sem passar por fases
tão “incômodas” como a produção e a distribuição…
–
É verdade que os Estados Unidos têm vivido crescimento econômico e
criação de emprego, porém mais de 90% do valor de tal crescimento tem
sido abocanhado pelo 1% mais rico. O desemprego europeu continua
crescendo, e em vez de crescer, a União Europeia escorrega rumo à
deflação.
– Já em 2011, os
lucros dos bancos norte-americanos haviam chegado aos níveis recorde de
antes da crise. E ainda antes, em 2009, os nove maiores bancos desse
país distribuíam gratificações de um milhão de dólares ou mais, a mais
de cinco mil banqueiros e operadores financeiros, usando para isso o
dinheiro público dos empréstimo que receberam dos Estados.
Ao
menos 5 bilhões de dólares provenientes do dinheiro dos contribuintes
norte-americanos foram para indivíduos da indústria financeira. Seus
colegas britânicos receberam 20 bilhões de dólares por meio de
gratificações em 2010 e 2011, e os banqueiros franceses receberam outro
tanto.
– As robustas
gratificações contribuem para o grande salto adiante da desigualdade.
São conhecidas as comparações chocantes entre a parte da riqueza mundial
que é apropriada pelos multimilionários e o que sobra para o resto do
mundo. Estão sintetizadas num relatório da Oxfan ou
nos informes sobre a riqueza mundial que falam sobre as alturas
douradas, onde moram não o um por cento — pobres perdedores! — mas um em
cada dez milhões.
– A
lista de bilionários da Forbes, de 2014, enumera os 1542 terráqueos que
ultrapassaram a marca, com um volume total de 6,5 bilhões de dólares. A
desigualdade não é obscena em termos monetários. Em Desigualdade: uma análise da (in)felicidade coletiva,Richard
Wilkinson e Kate Pickett demonstraram de maneira indiscutível que a
desigualdade tem correlação necessária com todos os fenômenos sociais
desagradáveis e custosos, de doenças à violência, à obesidade e as
populações carcerárias. Mas as finanças estão organizadas agora de tal
maneira que ao chegar ao status de bilionário, é muito difícil
perdê-lo.
Recompensas, recompensas
Os
banqueiros aprenderam também como organizar as instituições
internacionais para que estas os recompensem tanto nos momentos bons
como nos maus, por investimentos financeiros geniais ou desastrosos.
Desta maneira, governos da zona do euro como Alemanha e França trazem
dinheiro ao Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira; este dá
dinheiro ao governo grego (irlandês, espanhol…) que, por sua vez, o
entrega aos bancos gregos (irlandeses, espanhois…) com a intenção de que
estes devolvam os empréstimos recebidos dos bancos franceses e alemães.
A
maioria das pessoas não se dá conta que os enormes “empréstimos”
concedidos à Grécia pela “Troika” (Comissão Europeia, Banco Central
Europeu e Fundo Monetário Internacional) entre 2010 e 2012 não se
destinaram a “ajudar os gregos”, mas sim a canalizar dinheiro aos bancos
que haviam comprado títulos gregos. E por que compraram? É uma boa
pergunta: porque estes valiam em euros, mas pagavam juros mais altos,
por exemplo, que os títulos alemães, igualmente denominados em euros.
O
trabalho da Troika é, portanto, garantir que se devolva o dinheiro aos
bancos, desde os planos de “regate” sejam associados a condições
drásticas da austeridade. Os bancos podem perder algo em seus
investimentos nos países do Sul da Europa ou da periferia — mas não no
nível em que isso ocorreria sem a porta giratória da Troika.
Os
povos — que não criaram a crise — devem, contudo, sofrer com ela. Até
certo ponto, isso pode ser medido em fome crescente, fechamento de
hospitais e escolas, violência e migração dos jovens. Mas as verdadeiras
consequências para incontáveis seres humanos que não têm
responsabilidade pelos problemas econõmicos não podem ser quantificadas.
Sustento: minha afirmação de que os bancos aprenderam que podem fazer o
que quiserem não era um recurso retórico…
E
chegamos ao ponto em que o leitor diz: “sim, mas o que podemos fazer?”
Em geral, as respostas são conhecidas, e muitas delas consistem em fazer
o contrário do que se resumiu acima. Separar os bancos comerciais dos
de investimento, cobrar imposto das instituições financeiras, proscrever
os paraísos fiscais, obrigar Luxemburgo a desmantelar sua proteção às
empresas sonegadoras, negar-se a assinar os novos acordos de “livre” comércio.
Mudar
as regras do Banco Central Europeu (BCE), que não empresta aos países,
mas apenas aos bancos privados. Estes pedem créditos ao BCE a menos de
1% de juros ao ano, para em seguida emprestar os mesmos recursos aos
países com os maiores juros possíveis — às vezes mais de 6% — o que
constitui outro presente à banca. O BCE deveria emprestar diretamente
aos países, cobrando os mesmos 1% ou menos, e os governos europeus
deveriam poder emitir títulos em euros.
As
políticas de “austeridade” devem ser descartadas, porque não funcionam,
nem humana nem economicamente. Os europeus do norte entendem isso: a
palavra em alemão para dívida é Schuld,
que significa também pecado ou culpa; mas a crise persistente não tem a
ver com moralidade. Necessitamos de menos golpes no peito (o dos
outros) e mais economia inteligente. Nas palavras de um economista
alemão que escrevia no Financial Times: “Existem dois tipos de economistas alemães: os que não leram Keynes e os que não entenderam.”
É
preciso lembrar primeiro que a dívida os países não se parece, em
absoluto, com a de uma família. Na verdade, ao longo da história, a
maior parte da dívida soberana era perdoada; em todo caso, como disse o
economista e acadêmico norte-americano Paul Krugman: “é preciso vigiar
os fluxos, não as ações.”
Enquanto
os países continuarem obrigados ao pagamento de juros elevados, terão
dúvidas eternas. As nações não desaparecem. A Grécia, por exemplo, tem
um superávit orçamentário, quando levam-se em conta apenas a arrecadação
de tributos e os investimentos e despesas não-financeiras. Deveria
estar qualificada para pagar juros de 1% do ano. O país deveria também
reduzir drasticamente seu orçamento militar, tributar a igreja — o maior
proprietário de terrenos e imóveis — e como disse o partido governante
Syriza, “perseguir a oligarquia”.
Se
a próxima crise for de fato deflagrada, será imensa e mortalmente
perigosa para as pessoas comuns, que poderiam perder sua poupança,
seguros, aposentadorias e mais. Não estou propondo que se criem refúgios
antiaéreos ao estilo de 1950, construam-se depósitos de alimentos e se
autorize a posse de uma arma por casa — mas não faria mal começar a
desenvolver sistemas sociais mais resistentes e uma autoconfiança maior.
As pessoas trabalham bem quando cooperam entre si, e o fazem
instintivamente ou por necessidade quando têm que enfrentar um colapso
econômico, como fizeram os argentinos há quinze anos ou fazem os gregos
hoje. Organizam cantinas populares, hortas comunitárias, clínicas de
saúde solidárias, creches, moedas sociais, soluções habitacionais e
assim por diante.
Sobretudo,
precisamos enfrentar a mortífera ideologia neoliberal que contaminou o
pensamento e a ação, enquanto os bancos podem fazer o que lhes der na
telha.
Tradução: Gabriela Leite
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