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Crise
“Judiciário está sendo substituído pela opinião pública”
Para Roberto Caldas, presidente da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, ímpeto punitivista no Brasil é semelhante aos de Honduras e
Paraguai
por Marsílea Gombata
—
publicado
14/04/2016 04h49
Arquivo/ CIDH
Caldas é ex-membro da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo
O clima de punição a todo custo em voga no
Brasil tem levado instituições e opinião pública a naturalizarem
ilegalidades. Com a democracia em jogo, o movimento que o País vive hoje
é temeroso e lembra o cenário de países que foram palcos de golpes de Estado recentemente na América Latina.
O diagnóstico é feito pelo magistrado Roberto Caldas, presidente da
Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão judicial ligado à
Organização dos Estados Americanos (OEA).
Caldas, ex-membro da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo e à frente da Corte desde o início do ano, alerta para características de um curso similar aos casos da Venezuela em 2002, quando da tentativa de golpe contra o presidente Hugo Chávez, de Honduras em 2009, quando Manuel Zelaya foi retirado de casa ainda de pijamas e enviado em um avião para a Costa Rica, e do Paraguai em 2012, quando o Congresso votou em menos de 48h pelo impeachment de Fernando Lugo.
“O que está em jogo é a própria democracia”, afirma o juiz sergipano em entrevista a CartaCapital. “A autoridade do Poder Judiciário está sendo substituída por alguém que passa a julgar publicamente”.
Sem citar diretamente a investigação da Operação Lava Jato, a divulgação de depoimentos oriundos de delações premiadas e também de algumas escutas telefônicas, Caldas condena decisões arbitrárias de se grampear alguns suspeitos e, de forma seletiva, escolher quais dessas escutas devem ou não ser divulgadas pela imprensa.
“Ora, se alguém começa a analisar uma prova e dizer que existiu um crime com base nela, tira-se a autoridade do Judiciário de decidir e contrabalancear acusações de outras partes.”
O calor do debate embalado pela mídia é visto com maus olhos por Caldas. Para o jurista, o papel da imprensa fica em xeque quando essa é capaz de influenciar a decisão de atores que devem ter isenção e frieza antes de decidir pelo sim ou pelo não quanto à abertura de um processo de impeachment, como o que vem sendo discutido contra a presidenta Dilma Rousseff.
“Será que o parlamentar terá a tranquilidade e a imparcialidade que deve ter qualquer julgador depois de existir uma discussão pública sobre determinados elementos de prova?”, questiona.
Caldas alerta ainda para o fato de “o Judiciário estar sendo substituído pela opinião pública” e não titubeia: a transcrição de um depoimento não é para ficar à disposição de todos, e uma evidência obtida de forma irregular não deveria ser utilizada em uma investigação séria. “Isso não pode se tornar um elemento para fazer parte de um jogo político”, critica. “Uma prova ilícita não pode ser levada em consideração, ela é nula de pleno direito.”
Frente a um cenário arbitrário, em que poderes e funções se confundem, o presidente da CIDH lembra um caso de escutas telefônicas irregulares, que levou o Brasil a ser condenado pela corte internacional em 2009.
No chamado caso Escher, trabalhadores rurais ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Paraná foram grampeados em 1999. O Estado brasileiro foi considerado culpado pelas escutas realizadas com autorização judicial a pedido da Polícia Militar e também pela posterior divulgação das gravações. No entendimento da Corte vinculada à OEA, houve violação ao direito à privacidade e à honra no caso que deveria servir de lição para o País.
“É importante processar e punir os culpados pela divulgação, isso não pode continuar acontecendo”, condena. “Praticamente todos os dias há informações de gravações divulgadas. Onde estamos? Dentro de um tribunal, cada um tem direito à defesa por tempo igual determinado, com igualdade de armas. Na arena pública, sem armas, é como jogar esses cidadãos aos leões. E isso leva a uma situação indesejável para os direitos humanos, não apenas individuais, mas para a própria democracia.”
O Brasil vive hoje, segundo Caldas, um clima de polarização e violência semelhante aos que antecederam golpes de Estado recentes. A escuridão imposta ao Brasil de 1964 e 1985 e a amarga experiência vivenciada por países como Venezuela, Honduras e Paraguai nos últimos anos acendem um alerta sobre o formato dos golpes atuais.
“Hoje não são as Forças Armadas, mas mecanismos dos próprios poderes constituídos, majoritários ou não, que se movem em uma mesma direção, se aliam a um vazamento para a imprensa, que tem muito mais liberdade que o próprio agente público e gera desestabilização”, observa.
“É importante os meios continuarem com liberdade de expressão e de imprensa, mas quando passam a agir com libertinagem, daí a situação se agrava e evidencia características próprias de um golpe de Estado.”
Caldas, ex-membro da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo e à frente da Corte desde o início do ano, alerta para características de um curso similar aos casos da Venezuela em 2002, quando da tentativa de golpe contra o presidente Hugo Chávez, de Honduras em 2009, quando Manuel Zelaya foi retirado de casa ainda de pijamas e enviado em um avião para a Costa Rica, e do Paraguai em 2012, quando o Congresso votou em menos de 48h pelo impeachment de Fernando Lugo.
“O que está em jogo é a própria democracia”, afirma o juiz sergipano em entrevista a CartaCapital. “A autoridade do Poder Judiciário está sendo substituída por alguém que passa a julgar publicamente”.
Sem citar diretamente a investigação da Operação Lava Jato, a divulgação de depoimentos oriundos de delações premiadas e também de algumas escutas telefônicas, Caldas condena decisões arbitrárias de se grampear alguns suspeitos e, de forma seletiva, escolher quais dessas escutas devem ou não ser divulgadas pela imprensa.
“Ora, se alguém começa a analisar uma prova e dizer que existiu um crime com base nela, tira-se a autoridade do Judiciário de decidir e contrabalancear acusações de outras partes.”
O calor do debate embalado pela mídia é visto com maus olhos por Caldas. Para o jurista, o papel da imprensa fica em xeque quando essa é capaz de influenciar a decisão de atores que devem ter isenção e frieza antes de decidir pelo sim ou pelo não quanto à abertura de um processo de impeachment, como o que vem sendo discutido contra a presidenta Dilma Rousseff.
“Será que o parlamentar terá a tranquilidade e a imparcialidade que deve ter qualquer julgador depois de existir uma discussão pública sobre determinados elementos de prova?”, questiona.
Caldas alerta ainda para o fato de “o Judiciário estar sendo substituído pela opinião pública” e não titubeia: a transcrição de um depoimento não é para ficar à disposição de todos, e uma evidência obtida de forma irregular não deveria ser utilizada em uma investigação séria. “Isso não pode se tornar um elemento para fazer parte de um jogo político”, critica. “Uma prova ilícita não pode ser levada em consideração, ela é nula de pleno direito.”
Frente a um cenário arbitrário, em que poderes e funções se confundem, o presidente da CIDH lembra um caso de escutas telefônicas irregulares, que levou o Brasil a ser condenado pela corte internacional em 2009.
No chamado caso Escher, trabalhadores rurais ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Paraná foram grampeados em 1999. O Estado brasileiro foi considerado culpado pelas escutas realizadas com autorização judicial a pedido da Polícia Militar e também pela posterior divulgação das gravações. No entendimento da Corte vinculada à OEA, houve violação ao direito à privacidade e à honra no caso que deveria servir de lição para o País.
“É importante processar e punir os culpados pela divulgação, isso não pode continuar acontecendo”, condena. “Praticamente todos os dias há informações de gravações divulgadas. Onde estamos? Dentro de um tribunal, cada um tem direito à defesa por tempo igual determinado, com igualdade de armas. Na arena pública, sem armas, é como jogar esses cidadãos aos leões. E isso leva a uma situação indesejável para os direitos humanos, não apenas individuais, mas para a própria democracia.”
O Brasil vive hoje, segundo Caldas, um clima de polarização e violência semelhante aos que antecederam golpes de Estado recentes. A escuridão imposta ao Brasil de 1964 e 1985 e a amarga experiência vivenciada por países como Venezuela, Honduras e Paraguai nos últimos anos acendem um alerta sobre o formato dos golpes atuais.
“Hoje não são as Forças Armadas, mas mecanismos dos próprios poderes constituídos, majoritários ou não, que se movem em uma mesma direção, se aliam a um vazamento para a imprensa, que tem muito mais liberdade que o próprio agente público e gera desestabilização”, observa.
“É importante os meios continuarem com liberdade de expressão e de imprensa, mas quando passam a agir com libertinagem, daí a situação se agrava e evidencia características próprias de um golpe de Estado.”
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